Tereza Halliday |
Matutando
sobre o gelo baiano, ocorreu-me um outro triste indicador cultural em nossa
terra: o sistema de transporte público nas áreas metropolitanas. É uma metáfora
da nossa pseudocidadania. A fim de ir ao trabalho e voltar para casa, o cidadão
desperdiça horas de vida, tomando dois a três meios de transporte e ficando
“preso” na imobilidade urbana, onde os usuários de transporte privado são
igualmente aviltados. Estes, isolam-se em carros particulares para fugir do
transporte público insuficiente, ineficiente, superlotado, barulhento,
fedorento. E caem numa falácia de conforto e eficiência.
O
sofrimento dos passageiros de ônibus e trens urbanos, dia após dia, bem
representa o desvalor com que tratamos esses jovens e velhos – funcionários,
operários, prestadores de serviços diversos, quase todos moradores de
periferia. Aqueles rostos abatidos e visíveis nas inseguras paradas de ônibus e
dentro deles, revelam o desrespeito quotidiano à força de trabalho mais
sacrificada. O cidadão trabalhador gasta, em trânsito, horas desgastantes e não
compensadas. Mal dormido, mal alimentado (vê-se pelos sinais de desnutrição ou
obesidade), maltratado pela sociedade onde vive sem um mínimo de dignidade no ir
e vir. Olhe nos rostos das diaristas, mensalistas, porteiros, zeladores,
motoristas, babás, cuidadores de idosos, assistentes de enfermagem, manicures,
varredores de rua, lixeiros. São a cara do Brasil que os destrata através do
transporte público.
Atente para o tempo de
vida que lhes é roubado, o cansaço imposto antes de começar a jornada de
trabalho e depois de cumprir o expediente, prejudicando-lhes a saúde, a
produtividade, a qualidade de vida. Mas, não adianta culpar os atuais
plantonistas eleitos: prefeitos, governadores, presidente, casas legislativas.
Era assim antes deles e vai continuar assim no próximo plantão de quatro anos. O
sacrifício cotidiano dos usuários de transporte público é o retrato da cidadania
fajuta que nos impõem sob a falácia marqueteira e ufanista do “orgulho de ser
brasileiro”... ou nordestino, ou sulista, ou carioca, ou pernambucano. Tiremos
o cavalinho da chuva e botemos esse orgulho de mentirinha pra lá.