16/11/2013

Angola Portugal: uma relação difícil ou incompreendida?

Mário Russo
As relações entre Portugal e Angola ao nível das cúpulas políticas sofreram um tropeço com as recentes declarações do Presidente Angolano na Assembleia Nacional Angolana ao anunciar que não fazia mais sentido caminhar para a dita parceria estratégica entre ambas as nações.
Claro que o Presente José Eduardo dos Santos disse isso porque estava cansado de ver na imprensa portuguesa reiteradas referências de altos membros da hierarquia e da elite económica Angolanas envolvidas com casos de investigação pela PGR de Portugal, enlameando-as na praça pública.  

O Presidente fez o que tinha de ser feito. Defender a honra dos seus e dando um sinal evidente que essas pessoas envolvidas são da mais alta confiança do Estado a que Portugal diz ser um parceiro importante. Por isso, os dinheiros envolvidos e que causam “investigação” pela PGR de Portugal, é legítimo e de proveniência legal. Ponto final.
Depois veio a PGR dar por arquivado um dos processos levantados contra o PGR de Angola, por uma transferência de 70 mil euros. Diria uma ridícula quantia, com o estranho senão de ter mantido em segredo de justiça por mais de 3 meses.

Alguns jornais portugueses desferiram artigos com bravatas contra o que consideraram intromissão do poder do dinheiro Angolano na nossa independência de poderes e liberdade democrática. Puro exagero e análise passional do acontecimento.
O caso só o é para os portugueses, porque se refere a dinheiro Angolano e, os Tribunais Portugueses acharem-se no direito de investigar a origem do mesmo.
Agilidade que não vi quando o dinheiro da China e de magnatas Russos e Árabes aqui demandaram para comprar empresas (EDP) e vasto património. No entanto, só porque o dinheiro vem de Angola, os nossos Tribunais acham-se competentes para investigar, coisa que deveria ser feita pelos Tribunais dos países de origem do dinheiro se assim o entendessem. Mas que o discurso de Eduardo dos Santos torna claro o contrário, e nem podia deixar de ser de outra forma.
Como se sabe, em Portugal o segredo de justiça é colocado na praça pública para linchamento popular, com a mesma frequência com que se vai a um restaurante, e a culpa morre solteira, à boa maneira das republiquetas das bananas. E depois ficam ofendidas as virgens púdicas.
Será que Angola não pode ter a sua elite económica como tem qualquer país? Os novos Estados quando ganham a sua independência não têm liberdade para outorgar património público para criar as suas elites económicas? Portugal não teve os seus capitães donatários no Brasil ou antes nas cruzadas a distribuição dos bens saqueados? O Japão não criou a sua elite económica e industrial com a outorga de bens públicos aos senhores da guerra, os samurais? Angola não podia fazer o mesmo para também ter uma elite económica a comandar a sua economia? É só ignorância ou há algo mais?
O argumento de que se trata de queixas feitas por cidadãos Angolanos contra eminentes figuras políticas e militares do seu país e que têm de ser investigadas pelo MP, não colhe minimamente. Os Tribunais Portugueses têm o dever de se declararem incompetentes para aceitar tais casos, porque a origem do dinheiro não é lusa, mas de um Estado com que se mantém estreita cooperação e cujo mais alto Magistrado da Nação tem caucionado por diversas vezes. Mas se aceitarem tais denúncias, nunca as mesmas poderia vir para a praça pública. Até parece que o Expresso tem um gabinete na PGR de tanto cometer o crime de divulgar segredos de justiça.
Não passa de puro preconceito e racismo a atitude das autoridades judiciais e da imprensa portuguesas, para além de hipocrisia e cinismo.
Com que conforto podem estar os governantes de ambos os países numa cimeira em que os interlocutores de Angola estão a ser investigados pelas autoridades judiciais do parceiro?
É normal este tipo de comportamento numa relação de confiança? Mas onde? E se fossem figuras do Estado português a serem investigadas pela PGR de Angola, os seus interlocutores estariam satisfeitos e confortáveis nessas reuniões ou ao pisarem terras angolanas? Acho que não.

Acabo de ler que o processo que envolvia o Vice-Presidente Manuel Vicente também foi arquivado por um magistrado que usou de muito bom senso. Mas como não podia deixar de ser, vai ser alvo de processo disciplinar. Só pode ser por pura brincadeira.
É mais uma fuga ao segredo de justiça, essa farsa judicial do nosso país. Claro que tem de se acabar com essa farsa e que é tão simples: basta uma lei com poucos artigos – se é segredo de justiça tem de o ser em absoluto, e quem o violar (incluindo os jornalistas) vai para a cadeia por flagrante delito. 

O Jornal/TV ou rádio envolvidos na informação, paga uma multa que os leve a nunca mais prevaricar, e os respetivos diretores também responderem por crime, para que o nosso sistema judicial seja respeitado e não cometa os atropelos que tem cometido. Não me venham com a treta da liberdade de imprensa. Não há liberdade sem respeito à lei, senão é libertinagem, que é o que tem acontecido há décadas a esta parte.