27/06/2013

Manuel Clemente

Mário de Oliveira

Depois de “excelentes” provas dadas durante 6 anos no Porto

Bispo Manuel Clemente desce a Lisboa para subir a patriarca/cardeal e, porventura, a futuro Bispo de Roma/Papa

 
Duas procissões, uma com a imagem da senhora de fátima, no seu andor, que a pobre coitada, se a não transportarem aos ombros ou nos braços, nunca sai do sítio, assim como não come nem bebe, não respira nem fala, e a outra, com uma custódia de ouro, transportada pelo próprio Bispo, onde se escondia uma minúscula hóstia branca, por sinal, duas imagens de marca do tipo de pastoral que Manuel Clemente, nos seis anos em que foi Bispo do Porto incentivou, promoveu e presidiu, são igualmente os dois últimos actos de paganismo cristão religioso a que ele presidiu, pela Avenida dos Aliados e outras ruas do centro da cidade, já na sua dupla qualidade de patriarca da diocese de Lisboa e de Administrador Apostólico da Diocese do Porto.

Como a acumulação dos dois títulos indica, o Bispo Manuel Clemente está de regresso a Lisboa, de onde veio, há uns seis anos para o Porto, fazer tarimba como bispo titular e dar provas se tinha ou não perfil, política e eclesiasticamente correcto, para poder suceder ao cardeal patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, então, já com a resignação compulsória no horizonte. Pelos vistos, passou, summa cum laude, ainda que sem unanimidade, nos testes que duraram seis anos, mais dois do que o inicialmente previsto, já que, entretanto, houve conveniência eclesiástica que o titular de Lisboa permanecesse dois anos mais, para lá dos 75.

Foram seis anos de total paz de cemitério na diocese, com o bispo a correr de um lado para o outro, a distribuir sorrisos e palavras sem substância profética, o que lhe valeram o Prémio Pessoa, sem que ele próprio tenha suspeitado porquê, uma vez que, tanto quanto se sabe, o Poema escrito ou praticado está longe de ser o seu forte. Aliás, o Poema, lá, em quem acontece e se fiaz carne e sangue, práticas económicas e políticas maiêuticas, duelos teológicos desarmados, como em Jesus, o de antes do cristianismo, adeus paz dos cemitérios, adeus cumplicidades com os grandes do Poder político, do Dinheiro e da Religião.

Com esse objectivo, no seu horizonte de bispo do Porto, Manuel Clemente cumpriu à perfeição o que os Poderes instituídos esperavam dele. E, como estes sabiam, de fonte suja, que esse era o objectivo do Bispo Manuel Clemente, nunca lhe regatearam ajudas. Os convites para discursar em variadíssimos ambientes culturalmente fúteis e participar em debates sobre tudo e coisa nenhuma, foram mais que muitos, e ele não se fez rogado. O próprio Prémio Pessoa 2009 faz parte destas ajudas (não estivéssemos em vésperas de comemorar os cem anos de República no país, e o prémio ter-lhe-ia sido atribuído?!) e ele, obviamente, não deixou os seus créditos por mãos alheias e aceitou-o, sinal inequívoco de que a missão de Evangelizar os pobres e os povos, primeiro e único dever de um bispo da Igreja que se reclama de Jesus, não era com ele, como não é com nenhum dos clérigos, cujos sonhos maiores, se eles tiverem unhas para tocar guitarra, são sobretudo fazer carreira eclesiástica.

Mas, para melhor dar a impressão de que evangelizar era o que o Bispo Manuel Clemente mais fazia, correu a diocese de lés a lés, mais do que uma vez, presidiu a missas sem conta e sempre usou da palavra, durante elas, sem qualquer contraditório. Pelo contrário, sempre com o submisso silêncio dos presentes, condenados ao papel de seus eternos ouvintes. E toda aquela sua vontade de congregar multidões em seu redor, como faz o papa, em Roma e fora de Roma, quando sai de viagem de chefe de estado do Vaticano?! Este foi um outro trunfo do Bispo que, agora, deixa tudo e vai-se embora, atraído pelo íman do título de patriarca de Lisboa e de cardeal, no próximo consistório que vier a ter lugar em Roma.

 Ora, para arrastar e congregar multidões, nada mais eficaz do que pôr a imagem da senhora de fátima no seu andor, pelas ruas do Porto e pelos caminhos das aldeias que são também paróquias da diocese do Porto. Um ano de Missão foi um ano de passeatas da imagem da senhora de fátima, de reza de terços, de missas a granel, Evangelho de Jesus, nenhum. A festa litúrgica do corpo de deus, foi outro “coelho” que ele tirou da cartola e era vê-lo radiante com as multidões a seus pés. Tal como na chamada “bênção das pastas”, com missa, na Avenida dos Aliados, a fazer lembrar o Papa Bento XVI, quando esteve em Portugal e prolongou a sua visita por mais um dia, para vir presidir à missa nesta Avenida central do Porto.

 Entretanto, que se saiba, o Bispo, com todo este frenesim, não chegou a “tocar” o coração de ninguém e, agora, manda tudo às urtigas, ao deixar, inopinadamente, a diocese do Porto, numa frustrante sensação de “orfandade”, porque ele, durante estes seis anos, não foi capaz ou não quis suscitar lideranças, não foi capaz ou não quis ser presença maiêutica, geradora de saudáveis conflitos e polémicas, o que sempre quis foi fazer carreira para patriarca e cardeal de Lisboa e, daí, quem sabe, subir a papa de Roma. Foi sempre ele, o protagonista, ao ponto de deixar estiolar nas rotineiras visitas pastorais pelas respectivas regiões pastorais, até os seus próprios Bispos auxiliares.

 Decididamente, o patriarca Manuel Clemente nasceu e veio ao mundo, para subir, subir, subir na carreira eclesiástica. A sua mãe não se terá agradado da ideia deste seu filho querer ser padre. Desconhecia, nessa altura, que, para ele, esse seria apenas o primeiro degrau de uma carreira eclesiástica fulgurante. Hoje, orgulha-se dele, assim como os seus conterrâneos. E, quando, depois de tomar posse como patriarca de Lisboa e cardeal, conseguir achar tempo para ir de visita à sua aldeia natal, tem toda a população a seus pés a aplaudi-lo. Exactamente, o oposto do que sucede a Jesus, quando, algum tempo depois de ter iniciado a Missão de Evangelizar os pobres e começar a praticar/edificar o Reino/Reinado de Deus entre nós e connosco, foi a Nazaré, onde se tinha criado. Depois do que lhes disse, na sinagoga do lugar, em lugar de ser ovacionado, foi insultado e escorraçado pelos vizinhos e familiares, que, ofensivamente, diziam uns aos outros, Não é este o camponês-artesão de Nazaré, o filho de Maria?!, duas designações que, na cultura social da época e do país, eram o que de mais insultuoso se podia dizer de um homem judeu!

 Meu querido irmão Bispo Manuel Clemente. Sei que serás um vencedor, porque tudo tens feito para isso. Mas não te louvo. Choro. Como Jesus chorou sobre a cidade de Jerusalém, a do grande templo e dos sumos-sacerdotes. Sabe, entretanto, que a minha alegria será ver-te descer, fazer-te o mais pequeno de todos, o último de todos. Longe de todo esse mundo do Poder e dos poderosos, intrinsecamente perverso, mentiroso, ladrão e assassino. Se um dia vieres a dar este fecundo passo, na linha do grão de trigo que desce à terra para dar fruto, tens-me aqui, nesta casinha arrendada onde vivo, entre o povo de Macieira da Lixa e com ele, como um pequenino sinal de contradição. Os meus braços estão sempre abertos para te acolher. E conversaremos, horas, dias, semanas, meses, sem fim. Fico à tua espera. Vem!