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Miguel Mota |
A baixa produtividade dos portugueses é consequência de um número muito elevado de factores, não sendo, portanto, possível transformá-la de golpe, com uma única solução.
Entre os factores que contribuem para essa baixa produtividade encontra-se um certo grau de ineficiência de muitos serviços do Estado, consequência daquilo que se chama BUROCRACIA.
A
execução de uma série de actos necessários ao desempenho de qualquer função
implica sempre uns quantos passos administrativos. Foi a essa parte –
necessária – da actividade – do Estado e não só – que se deu o nome de
«burocracia». No entanto, essa actividade administrativa necessária foi criando
passos supérfluos, ampliando-os desnecessariamente e, muitas vezes,
considerando-se como o «centro do mundo» e a razão de ser das outras
actividades, numa fenomenal inversão de posições. E uma actividade necessária,
que na maioria dos casos passaria despercebida, transformou-se num enorme
consumidor de energias, o que levou a considerar a palavra «burocracia» como
sinónimo de algo execrável.
Apontada por todos como um enorme e desgraçado
mal, são poucos os que se têm ocupado da sua correcção. É fácil atribuir-lhe
todos os males e atirar com a responsabilidade da sua existência para o pobre
3.º oficial que está ao «guichet». O facto é que a ele é a quem menos cabe essa
responsabilidade, pois os numerosos passos, as diferentes «démarches», todas as
actividades supérfluas a que os tristes mortais são submetidos são certamente
da responsabilidade dum chefe, nos diferentes graus da hierarquia, até aos
escalões mais elevados. Mesmo quando o citado 3.º oficial demora anormalmente
algum papel ou qualquer outro passo exigido, é ainda o seu chefe – e o chefe do
chefe, até ao escalão mais elevado – o responsável por consentir que isso
aconteça.
A cura da burocracia – entendida como
passos dispensáveis – pode, muitas vezes, encontrar-se com relativa facilidade.
Basta analisar, para cada passo ou documento exigido, o que pode suceder se ele
for suprimido. Infelizmente, deve ser extremamente raro que algum chefe – a
qualquer nível – proceda a essa análise no sector a seu cargo.
Tenho já, por várias vezes, apontado casos
concretos de correcções fáceis, que muito dariam em economia e aumento de
produtividade, por supressão da tal burocracia desnecessária.
Apontarei aqui um outro, que ofereço a quem de
direito, nomeadamente ao senhor ministro das Finanças.
Os orçamentos do Estado são feitos com
muito grande rigidez, com as verbas distribuídas por numerosas «rubricas», que
funcionam como compartimentos praticamente estanques. Não é possível fazer uma
aquisição se não houver verba na rubrica respectiva e as «transferências de
verbas» são normalmente algo muito demorado. Não é o caso virgem que uma
«transferência de verba», isto é, a mudança dum determinado quantitativo duma
rubrica para outra, solicitada no meio do ano, só seja autorizada no fim do
ano, às vezes quando já nem há tempo para efectuar a aquisição. Obviamente, os
resultados sofrem.
Admito que haja sectores onde essa
comparticipação não tenha qualquer inconveniente por tudo estar suficientemente
definido. Mas nalguns outros o problema é grave e é impossível prever
antecipadamente com tal pormenor, as despesas que terão de ser efectuadas, para
que se atinjam os objectivos desejados.
Um desses sectores é a «investigação
científica», a actividade que tem por objectivo a ampliação dos conhecimentos
do homem, alguns casos apenas como aumento geral desses conhecimentos –
investigação pura ou básica – noutros com o objectivo de mais ou menos directa
utilização – investigação aplicada – para se realizar melhor agricultura,
indústria, medicina, etc., etc.
É um trabalho exigente que requer
pessoas com muito alta especialização e dotadas de características especiais de
imaginação e alto poder de raciocínio (para poder relacionar factos e fenómenos
e daí tirarem novas conclusões), além duma grande dedicação.
Nesse trabalho é impossível prever
antecipadamente o quantitativo exacto das numerosas despesas pelo que, ao
elaborarem o orçamento, os investigadores sabem de antemão que irá haver
discrepâncias orçamentais para cada rubrica e os gastos necessários. São
frequentes os casos em que a verba dum projecto de investigação, orçamentada de
determinada maneira, apresenta, na altura das despesas, rubricas em que a verba
é insuficiente, enquanto noutras ela pode existir em excesso.
Se analisarmos esse problema, facilmente
chegaremos à conclusão de que, aprovado um projecto de investigação, e
atribuída a verba global considerada, o que interessa ao Estado (e, portanto,
aos cidadãos) é que ele seja executado com o mínimo de entraves possível.
Quaisquer entraves que surjam vão causar diminuição da produtividade, seja por
maiores demoras na execução, ou por não se conseguir realizar parte do que
estava programado.
Aprovado um projecto de investigação e o
quantitativo global do seu custo, é absolutamente irrelevante para os
resultados que o dinheiro seja gasto em ácido sulfúrico ou em disquetes para o
computador, na reparação dum microscópio electrónico ou na aquisição de alguns
livros, etc., etc., etc.
Se, para os efeitos estatísticos e, até,
para futuros planeamentos, se deseja catalogar, à posteriori,
as despesas por rubricas, muito bem, pois é tarefa que qualquer administrativo
faz com facilidade. Mas ter que parar o trabalho porque falta verba na rubrica
destinada a comprar disquetes para o computador, embora possa ainda sobrar
dinheiro na rubrica por onde se comparam frascos de ácido sulfúrico ou aquela
por onde se pagam as reparações do microscópio electrónico é algo absolutamente
ridículo e que causa ao País prejuízos fabulosos. Podem-no atestar algumas
centenas ou milhares de investigadores científicos que enfrentam este problema
no seu dia-a-dia de trabalho.
Nalguns casos, os prejuízos podem ser um tanto
atenuados quando o pobre investigador que já não tem verba para as disquetes e,
por isso, teve que parar o trabalho com o computador, consegue encontrar um
colega que no seu projecto ainda tem verba para disquetes e que está
necessitado de verba para repara o seu microscópio electrónico. Então,
falseando o que está determinado, um compra disquetes de que não precisa, para dar
ao seu colega que, por sua vez, lhe manda reparar o microscópio electrónico com
a verba de que ainda dispõe. É graças a estes «maus» funcionários que as coisas
não são ainda piores do que a realidade actual. Mas em tudo isto – e só nos
casos em que é possível – se gasta imenso tempo e paciência, com o que o
trabalho sofre uma perda de produtividade.
Esta situação ridícula, que não tem a mínima
utilidade para o País, pode ser curada imediatamente e de forma bem simples.
Para isso basta que o Senhor Ministro das Finanças determine, quiçá no dia 25
de Outubro, o Dia Nacional da Desburocratização, para vigorar imediatamente, o
seguinte:
− Os projectos
de investigação científica devem continuar a ser elaborados com as despesas
distribuídas por rubricas, como até aqui.
− As despesas
podem ser efectuadas sem ter em atenção as rubricas mas, naturalmente, sem
ultrapassar o limite de quantitativo total do projecto e seguindo as restantes
normas em vigor para as aquisições.
− A catalogação final das despesas será feita, pelo pessoal administrativo, segundo as rubricas em vigor. No final do ano deverá ser dado ao investigador responsável pelo projecto o quadro da sua programação por rubricas e como, na realidade, foi dispendido o quantitativo total, pois as discrepâncias encontradas poderão dar boas indicações para programação futura.
O
Estado não gastará nem mais um centavo do que estava programado e o rendimento
do trabalho será muito mais elevado.
É este um exemplo muito simples de desburocratização, de aplicação fácil, imediata e sem encargos, capaz de dar aos cidadãos uma riqueza que passa despercebida mas é real.
É este um exemplo muito simples de desburocratização, de aplicação fácil, imediata e sem encargos, capaz de dar aos cidadãos uma riqueza que passa despercebida mas é real.
Nota:
Este artigo foi premiado com Menção
Honrosa no Concurso de Jornalismo organizado em 1990 pelo Secretariado para a
Modernização Administrativa.