26/03/2013

PÁSCOA DO CHOCOLATE

Tereza Halliday *
Tão logo passa o carnaval e os supermercados começam a exibir um produto chamado ovo de chocolate – objeto de cobiça de crianças e adultos, vendido a preços de conformidade com o tamanho, agigantado pela embalagem que encobre conteúdo de qualidade sofrível.  Constatei isto há muito tempo, mas não sou a única a percebê-lo. Recentemente, li este comentário de uma consumidora: “Ovo de chocolate é muito caro e o chocolate é ruim. É melhor comprar em barra”.  Não importa a marca, ovo de chocolate é produto chinfrim. Impressiona crianças e namorados pelo tamanho e fascina pelo misterioso simbolismo, quase desconhecido, leve associação com evento do mesmo nome: Páscoa, do hebraico pessach – passagem. Para os judeus é a celebração da passagem de seu povo, da escravidão para a liberdade – evocada no cinema com aquela cena grandiosa do Mar Vermelho se abrindo para “dar passagem” ao povo judeu. A última ceia de Jesus, antes de morrer, foi a celebração dessa páscoa, ele, judeu de quatro costados, seguindo o ritual.

Como cria do judaísmo, o cristianismo passou a celebrar outra páscoa, de grande transcendência: a passagem de Jesus da morte para a Vida eterna, concedendo esse passaporte a todos os cristãos.  É o evento mais importante de toda a história da doutrina cristã: a Ressureição. O Natal é lindo, mas é festa menor, ante a magnificência da Páscoa. Como toda festa cristã, a Páscoa não deixou de tingir-se e mesclar-se com elementos de festas pagãs: na Antiguidade, no fim do inverno e começo da primavera, os pastores e camponeses se presenteavam com ovos. Os de chocolate surgiram por volta de 1830, com a indústria do chocolate na Inglaterra. E o ovo “pegou bem” como símbolo de promessa de vida, vida nova, misturado com o coelhinho (símbolo de fertilidade) e a columba pascal - versão pascoalina do panetone. E tome vendas!

Com a educação religiosa fajuta em muitos lares ditos cristãos – seja “católicos do IBGE”, seja evangélicos apenas portadores de bíblia – o sentido profundo da Páscoa passa ao largo.  Para as crianças dessas famílias, o ovo de chocolate é mais importante do que Jesus. E nós, consumidores, com ou sem fidelidade a uma religião, entramos na onda das diversas páscoas-passagens: a dos ovos de chocolate, a do dia das Mães, Dia dos Namorados, Dia dos Pais, Natal e qualquer passagem que sirva para engalanar vitrinas e seduzir compradores. Que a Páscoa do Chocolate sirva, ao menos, para refletirmos sobre o discurso de sedução com o qual nos envolvem os articuladores de todas as passagens comerciais no calendário do consumo, atrelado a datas comemorativas de legítimas emoções.

Em tempo: chocolate, para mim, não é uma “passagem”, é constante de gosto pela vida. Mas precisa ser do bom e degustado sem alvoroço.
* Artesã de Textos ( Pernambuco)