Em 1933 foi aprovada em plebiscito uma
Constituição, que vigorou até ao 25A. Nem sempre era cumprida (tal como a
actual; vejam o que ela diz sobre o ensino e a saúde) e mantiveram-se
restrições várias, como uma censura à comunicação social, o que tornava o
sistema uma ditadura, embora sem a dureza do nazismo ou do comunismo. O
comunismo era um perigo real, pois bem se sabia o que vigorava na União
Soviética e, depois da II Guerra Mundial, nos países por ela ocupados. E o
Partido Comunista nunca negou que era isso que aqui queria implantar, pois,
para eles, era o sol da terra.
A par das limitações existentes, de que eu
não gostava e sempre fui contra, houve uma inegável recuperação do país. As
finanças passaram a andar sempre direitas e o escudo tornou-se uma das moedas
mais estáveis. É fácil mostrá-lo sabendo-se que o valor do dólar, a moeda
internacional por excelência, se manteve constante, da ordem dos 28$00. As
Obras Públicas, um caos anteriormente, tiveram uma recuperação notável.
Estradas (como a marginal e a autoestrada até ao estádio), portos (Sines é
desse tempo), escolas (uns centos ou milhares, das, agora extintas, por terem
reduzido número de alunos, foram então construídas), o Estádio Nacional (que os
tacanhos da época criticaram por ter o "astronómico" número de 30.000
lugares), a Ponte Salazar (agora alcunhada de 25 de Abril), etc. A economia não
se desenvolveu tanto como muitos gostariam mas a siderurgia, os cimentos a
Lisnave e a Setenave (que tornaram Portugal uma potencia nesse campo), a
marinha mercante (Santa Maria, Príncipe Perfeito e outros) e a marinha de
guerra (começou com o Gonçalo Velho e Gonçalves Zarco, os vários
contra-torpedeiros, o Afonso de Albuquerque e o Bartolomeu Dias, três
submarinos, a Sagres, etc.) serviam o país perfeitamente. Na Agricultura houve
um ministro, Rafael Duque, que fez em 1936 a última reestruturação válida do
ministério com, entre outros actos, um Plano Florestal (que revestiu algumas
das nossas serras, como o Marão). Criou a primeira grande instituição de
investigação científica fora das universidades, a Estação Agronómica Nacional,
que muito deu ao país, tanto em produção científica como em melhorias
económicas, que serviu de modelo às instituições que vieram a seguir e que o
25A destruiu e com ela uma boa parte da economia, etc. Com a Estação Agronómica
foi criada, nesse ano de 1936, a carreira de investigador científico, paralela
da carreira docente universitária. Depois de Salazar continuaram as restrições
mas, em 1973, o crescimento da economia portuguesa era de 6 ou 7%.
Em 25 de Abril de 1974 deu-se a revolução
(que alguns dizem que foi dos escravos vermelhos) e os portugueses, acreditando
no que Spínola leu na madrugada de 26, aceitaram muito bem os novos
"libertadores". Não tardou muito para começarem a aparecer sinais
suspeitos. O desespero com que Mário Soares berrava "é preciso que o
camarada Cunhal venha!" e o entusiasmo com que o abraçou à chegada foram
elucidativos. Para quem clamava liberdade e democracia, querer tanto um servo
dum ditador que conseguiu ser pior que o Hitler, não deixava de ser estranho.
Tentei alertar os portugueses para alguns desses sinais em artigo publicado no
Jornal de Sintra em 4 de Maio. (Foi escrito entre 28 e 30 de Abril). O que
veio, em breve confirmou essas suspeitas.
Os que dizem que em 25 de Abril foi
implantada a democracia em Portugal (como tenho visto vários) só mostram ignorância,
pois o povo em nada interferia (teria de ser consultado) e quem tudo mandava
era o MFA, ou seja, estávamos em ditadura militar. Pouco tempo depois, com a
subida de Vasco Gonçalves ao poder, entrámos numa ditadura militar comunista
que, à boa maneira dessa gente, espezinhou todo o Programa do MFA (na base do
qual, como disse, a revolução foi bem aceite) e desatou a fazer o que queria
sem a prometida "consulta popular". E o que queria era o que Moscovo
mandava. Ou seja, ocupações, nacionalizações, prisões sem culpa formada, à boa
maneira da KGB e, principalmente, a entrega do ultramar português, sem qualquer
consulta às populações, a ditaduras comunistas dos grupos que aquele país
financiava e comandava, como bem se viu. E tiveram o descaramento de chamar a
esse acto vergonhoso e anti-democrático uma "descolonização
exemplar"!
Um ano depois da revolução fizeram-se
eleições, nada democráticas, para uma Assembleia Constituinte. Os cidadãos não
se podiam candidatar e, ao votar, apenas tinham "licença" de escolher
um partido, isto é, uma lista de candidatos, elaborada ditatorialmente por quem
lá mandava. E até foram impedidos de concorrer alguns partidos porque os novos
ditadores consideravam uns demasiado de esquerda e outros demasiado de direita.
Na noite da eleição, depois de contados os votos, Mário Soares, no palco,
clamava "Nós e o PC temos 51% dos votos e, portanto, ganhámos".
Estava bem claro onde estavam as suas afinidades.
Um ano depois estava elaborada uma
Constituição que não foi apresentada a plebiscito - algo inaceitável em tempos
modernos, que lhe dá verdadeiros pés de barro e a torna pouco válida - porque
bem sabiam que o povo a rejeitaria. Embora nela se repita muitas vezes a
palavra democracia, é uma Constituição nada democrática. Além dos cidadãos não
se poderem candidatar a deputados - algo necessário para um sistema ser
democrático - quando votam apenas podem escolher uma de meia dúzia de listas
(com ordem fixa), feitas ditatorialmente por quem lá manda. Eu nunca fiz tenção
de me candidatar a deputado. Mas não tolero não ter esse direito. Na outra
ditadura, podia, mas não servia de nada, porque viciavam os números. Agora, tal
não é necessário pois só é candidato quem meia dúzia de ditadores quiser. É uma
ditadura partidocrática, para a qual cunhei o nome de "partidismo",
para estar de acordo com os outros "ismos" políticos.
Na Proposta de Alterações à Constituição,
que publiquei numa revista universitária em 2002, indiquei a modificação a
fazer nos Artigos 149º e 151º (que já transcrevi em artigos no Linhas de Elvas)
para tornar democrática a eleição dos deputados. É o mesmo processo que temos
em Portugal para a eleição do Presidente da República, a única democrática em
Portugal. Candidata-se quem o deseja e os partidos limitam-se a apoiar o
candidato que entenderem. A razão dessa liberdade deve ser porque é para um
cargo de grande projeção e escasso poder. Para as autarquias já se abriu aquilo
que designei de "pequena janela democrática" e os resultados
viram-se, incluindo aqui no concelho de Oeiras, onde moro.
Eu não sou contra a existência de partidos
políticos mas, numa democracia, eles não podem ser órgãos de poder e muito
menos de poder ditatorial, como escrevi no Expresso, em 1979. Em Portugal são.
Quando vou votar, para escolher a "menos pior" das péssimas listas
que tenho a "enorme liberdade" de escolher, sinto exactamente a mesma
frustração do antigamente.
Penso ter explicado porque é que considero
que Portugal nunca esteve em democracia. Comparando as duas ditaduras e o que
uma e outra fizeram, e com maior gravidade nestes últimos sete anos, não tenho
dúvidas em considerar esta muito pior. A grande massa dos portugueses considera
que, porque tem mais liberdade em se manifestar - e alguns julgam que isso
inclui o direito de insultar quem quer que seja e até de atirar pedras ou ovos
- está em democracia. Vão para casa muito satisfeitos porque puderam protestar,
sem ver que, no sistema blindado como está, nada conseguiram. O que, como uma
válvula de escape, até é útil ao governo, por os distrair de terem acções mais
eficientes.
A todos os que acham que Portugal vive em democracia, eu digo que,
então a culpa é toda vossa. Porque é que elegem tão maus dirigentes?
Miguel
Mota