01/10/2012

Portugal nunca este em democracia


Em 1933 foi aprovada em plebiscito uma Constituição, que vigorou até ao 25A. Nem sempre era cumprida (tal como a actual; vejam o que ela diz sobre o ensino e a saúde) e mantiveram-se restrições várias, como uma censura à comunicação social, o que tornava o sistema uma ditadura, embora sem a dureza do nazismo ou do comunismo. O comunismo era um perigo real, pois bem se sabia o que vigorava na União Soviética e, depois da II Guerra Mundial, nos países por ela ocupados. E o Partido Comunista nunca negou que era isso que aqui queria implantar, pois, para eles, era o sol da terra.
A par das limitações existentes, de que eu não gostava e sempre fui contra, houve uma inegável recuperação do país. As finanças passaram a andar sempre direitas e o escudo tornou-se uma das moedas mais estáveis. É fácil mostrá-lo sabendo-se que o valor do dólar, a moeda internacional por excelência, se manteve constante, da ordem dos 28$00. As Obras Públicas, um caos anteriormente, tiveram uma recuperação notável. Estradas (como a marginal e a autoestrada até ao estádio), portos (Sines é desse tempo), escolas (uns centos ou milhares, das, agora extintas, por terem reduzido número de alunos, foram então construídas), o Estádio Nacional (que os tacanhos da época criticaram por ter o "astronómico" número de 30.000 lugares), a Ponte Salazar (agora alcunhada de 25 de Abril), etc. A economia não se desenvolveu tanto como muitos gostariam mas a siderurgia, os cimentos a Lisnave e a Setenave (que tornaram Portugal uma potencia nesse campo), a marinha mercante (Santa Maria, Príncipe Perfeito e outros) e a marinha de guerra (começou com o Gonçalo Velho e Gonçalves Zarco, os vários contra-torpedeiros, o Afonso de Albuquerque e o Bartolomeu Dias, três submarinos, a Sagres, etc.) serviam o país perfeitamente. Na Agricultura houve um ministro, Rafael Duque, que fez em 1936 a última reestruturação válida do ministério com, entre outros actos, um Plano Florestal (que revestiu algumas das nossas serras, como o Marão). Criou a primeira grande instituição de investigação científica fora das universidades, a Estação Agronómica Nacional, que muito deu ao país, tanto em produção científica como em melhorias económicas, que serviu de modelo às instituições que vieram a seguir e que o 25A destruiu e com ela uma boa parte da economia, etc. Com a Estação Agronómica foi criada, nesse ano de 1936, a carreira de investigador científico, paralela da carreira docente universitária. Depois de Salazar continuaram as restrições mas, em 1973, o crescimento da economia portuguesa era de 6 ou 7%.
Em 25 de Abril de 1974 deu-se a revolução (que alguns dizem que foi dos escravos vermelhos) e os portugueses, acreditando no que Spínola leu na madrugada de 26, aceitaram muito bem os novos "libertadores". Não tardou muito para começarem a aparecer sinais suspeitos. O desespero com que Mário Soares berrava "é preciso que o camarada Cunhal venha!" e o entusiasmo com que o abraçou à chegada foram elucidativos. Para quem clamava liberdade e democracia, querer tanto um servo dum ditador que conseguiu ser pior que o Hitler, não deixava de ser estranho. Tentei alertar os portugueses para alguns desses sinais em artigo publicado no Jornal de Sintra em 4 de Maio. (Foi escrito entre 28 e 30 de Abril). O que veio, em breve confirmou essas suspeitas.
Os que dizem que em 25 de Abril foi implantada a democracia em Portugal (como tenho visto vários) só mostram ignorância, pois o povo em nada interferia (teria de ser consultado) e quem tudo mandava era o MFA, ou seja, estávamos em ditadura militar. Pouco tempo depois, com a subida de Vasco Gonçalves ao poder, entrámos numa ditadura militar comunista que, à boa maneira dessa gente, espezinhou todo o Programa do MFA (na base do qual, como disse, a revolução foi bem aceite) e desatou a fazer o que queria sem a prometida "consulta popular". E o que queria era o que Moscovo mandava. Ou seja, ocupações, nacionalizações, prisões sem culpa formada, à boa maneira da KGB e, principalmente, a entrega do ultramar português, sem qualquer consulta às populações, a ditaduras comunistas dos grupos que aquele país financiava e comandava, como bem se viu. E tiveram o descaramento de chamar a esse acto vergonhoso e anti-democrático uma "descolonização exemplar"!
Um ano depois da revolução fizeram-se eleições, nada democráticas, para uma Assembleia Constituinte. Os cidadãos não se podiam candidatar e, ao votar, apenas tinham "licença" de escolher um partido, isto é, uma lista de candidatos, elaborada ditatorialmente por quem lá mandava. E até foram impedidos de concorrer alguns partidos porque os novos ditadores consideravam uns demasiado de esquerda e outros demasiado de direita. Na noite da eleição, depois de contados os votos, Mário Soares, no palco, clamava "Nós e o PC temos 51% dos votos e, portanto, ganhámos". Estava bem claro onde estavam as suas afinidades.
Um ano depois estava elaborada uma Constituição que não foi apresentada a plebiscito - algo inaceitável em tempos modernos, que lhe dá verdadeiros pés de barro e a torna pouco válida - porque bem sabiam que o povo a rejeitaria. Embora nela se repita muitas vezes a palavra democracia, é uma Constituição nada democrática. Além dos cidadãos não se poderem candidatar a deputados - algo necessário para um sistema ser democrático - quando votam apenas podem escolher uma de meia dúzia de listas (com ordem fixa), feitas ditatorialmente por quem lá manda. Eu nunca fiz tenção de me candidatar a deputado. Mas não tolero não ter esse direito. Na outra ditadura, podia, mas não servia de nada, porque viciavam os números. Agora, tal não é necessário pois só é candidato quem meia dúzia de ditadores quiser. É uma ditadura partidocrática, para a qual cunhei o nome de "partidismo", para estar de acordo com os outros "ismos" políticos.
Na Proposta de Alterações à Constituição, que publiquei numa revista universitária em 2002, indiquei a modificação a fazer nos Artigos 149º e 151º (que já transcrevi em artigos no Linhas de Elvas) para tornar democrática a eleição dos deputados. É o mesmo processo que temos em Portugal para a eleição do Presidente da República, a única democrática em Portugal. Candidata-se quem o deseja e os partidos limitam-se a apoiar o candidato que entenderem. A razão dessa liberdade deve ser porque é para um cargo de grande projeção e escasso poder. Para as autarquias já se abriu aquilo que designei de "pequena janela democrática" e os resultados viram-se, incluindo aqui no concelho de Oeiras, onde moro.
Eu não sou contra a existência de partidos políticos mas, numa democracia, eles não podem ser órgãos de poder e muito menos de poder ditatorial, como escrevi no Expresso, em 1979. Em Portugal são. Quando vou votar, para escolher a "menos pior" das péssimas listas que tenho a "enorme liberdade" de escolher, sinto exactamente a mesma frustração do antigamente.
Penso ter explicado porque é que considero que Portugal nunca esteve em democracia. Comparando as duas ditaduras e o que uma e outra fizeram, e com maior gravidade nestes últimos sete anos, não tenho dúvidas em considerar esta muito pior. A grande massa dos portugueses considera que, porque tem mais liberdade em se manifestar - e alguns julgam que isso inclui o direito de insultar quem quer que seja e até de atirar pedras ou ovos - está em democracia. Vão para casa muito satisfeitos porque puderam protestar, sem ver que, no sistema blindado como está, nada conseguiram. O que, como uma válvula de escape, até é útil ao governo, por os distrair de terem acções mais eficientes.
A todos os que acham que Portugal vive em democracia, eu digo que, então a culpa é toda vossa. Porque é que elegem tão maus dirigentes?

Miguel Mota