18/10/2011

A re-industrialização do País

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limitarmos à indústria transformadora, esse peso foi, em 2010, de 13,4
por cento do PIB. Há apenas 20 anos, em 1990, ainda atingia quase o
dobro: cerca de 26 por cento!
Ditos assim, os números são devastadores. É claro que a economia
cresceu nestes 20 anos, mas também é um facto que esse crescimento se
revelou pouco mais do que rastejante na última década.
E essa estagnação deve-se, em parte, à desindustrialização, na medida em
que o tecido industrial não foi suficientemente repovoado por novas
empresas à medida que outras iam sendo aniquiladas, incapazes de
competir internacionalmente.
É por isso que discutir a re-industrialização faz sentido – desde que não
resvalemos para a nostalgia ou para o apelo desesperado à mão
proteccionista. Até porque… ela não vai estar lá.
A indústria transformadora é essencial à geração de riqueza. Em média,
um euro investido em fábricas tem maior potencial de geração de valor do
que um euro investido em terra arável ou em serviços.
A produtividade média na indústria – o valor acrescentado por
trabalhador – é superior à do sector terciário e do sector que gera bens e
serviços não transaccionáveis.
Esse diferencial de produtividade tem duas consequências. Primeiro, a
indústria tem maior potencial de criação de emprego qualificado.
Segundo, uma indústria forte origina maior coesão e integração das
fileiras industriais e viabiliza movimentos de ‘clusterização’ que tornam a
economia mais eficiente e competitiva.
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A expressão ‘política industrial’ tem uma conotação perigosa: a ideia de
que de algum modo os governos se envolvem em processos selectivos de
picking winners. Essa imiscuição pode distorcer a concorrência, inibindo a
entrada de novos concorrentes e a saída de operadores não eficientes, e
conduzir à captura do Estado pelos interesses dos ‘eternos eleitos’.
Dito de outro modo, uma política industrial descuidada pode degenerar
no intervencionismo anti-competitivo – ou pior, no clientelismo.
Contudo, é possível desenhar políticas pró-competitivas que sejam
geradoras de crescimento.
A forma mais óbvia de o fazer é tirar partido, o mais intensivamente
possível, das vantagens comparativas de Portugal, designadamente se
assentarem em recursos baratos e imediatamente disponíveis.
Recursos naturais como o mar e a floresta, o clima e a paisagem e alguma
mão-de-obra menos qualificada – e de pouco serve o discurso hipócrita
que nos pede para imaginarmos que essa mão-de-obra não existe, porque
ela existe mesmo, está massivamente desempregada e precisa de
trabalhar para comer – são exemplos de bases competitivas naturais.
Há décadas que o sector primário vem sendo abandonado. Um exemplo é
a floresta. Temos uma fileira industrial competitiva na transformação de
madeira, aglomerados e de pasta e papel. Todavia, ela só opera através da
aquisição massiva de matéria-prima no exterior, mais barata que a de
origem nacional, que começa por ser escassa e de pior qualidade.
Portugal é um país de tradição silvícola. Está entre os 5 primeiros da União
Europeia com maior peso do sector florestal no PIB.
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No Continente, a floresta ocupa 3,3 milhões de hectares, 37 por cento do
território. Os privados dominam 87 por cento, com predomínio do
minifúndio: apenas 1 por cento das explorações tem 100 hectares ou
mais. A concentração nas grandes explorações é enorme, o que é quase
exclusivamente explicado pela concentração fundiária no Alentejo, onde 1
por cento das explorações concentra 55 por cento da superfície. Realidade
totalmente diferente no Norte, como sabemos.
Mas a terra é mal explorada. Por norma, o proprietário abdica das suas
responsabilidades de valorização da matéria-prima, está fisicamente
afastado da exploração e não depende economicamente desta.
A extensão da Reserva Agrícola Nacional é excessiva – quase 3 milhões de
hectares. Uma vasta área, dita agrícola, é controlada pelo Estado por via
de um ordenamento territorial obsoleto que continua a rotular de
‘agrícolas’ terrenos sem outra aptidão senão a silvicultura.
Cerca de 1 milhão de hectares poderia transitar, no imediato, da Reserva
Agrícola para essa função e, a médio prazo, talvez quase outro tanto. Com
mais 1 milhão de hectares ocupados de forma produtiva, em 15 anos o
país seria mais do que auto-suficiente na produção de pinho e eucalipto.
Em ano cruzeiro, só a produção silvícola poderia aumentar entre 350 a
500 milhões de euros por ano.
Saliente-se que a floresta de eucalipto, em larga extensão gerida por
grandes empresas de pasta e papel, é muito mais eficiente que a floresta
de pinho, com propriedades de dimensão média inferior a 1 hectare.
E este valor não inclui externalidades positivas como a redução dos
incêndios florestais e os ganhos ambientais no ordenamento do território.
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Ora, só em 2010 Portugal importou mais de 160 milhões de euros de
pinho e eucalipto para uso industrial.
Há 15 anos, já andávamos, a convite do governo, a sugerir medidas neste
domínio. Ainda o ano passado, o Ministério da Economia nos pedia
reuniões, pareceres e propostas. A início, querem sempre falar connosco.
Depois, muita conversa e nenhum resultado: burocracia, falta de verba,
adiar é a solução, mas que nunca resolve nada.
E há coisas incompreensíveis. Uma das desculpas desde sempre ouvidas é
a ausência de um cadastro actualizado de prédios rústicos. Contudo, esse
cadastro poderia ser feito em meses. Talvez, até, num ano – vontade
política houvesse. Mais, a sua existência é a única garantia de que o
Estado pode incentivar quem protege a terra. Todavia, não há cadastro – e
eis um país à mercê dos anos 30.
Outro exemplo é o do Algarve e das zonas do Alentejo abastecidas por
água do Alqueva, e outras próximas de barragens, que poderiam passar
por uma revolução tranquila na produção organizada de frutas e legumes
– actividades que não induzem importações e são altamente geradoras de
emprego com níveis de investimento modestos.
Na Sonae sabemos que se ganha bom dinheiro na agricultura, desde que
se saiba o que se está a fazer. Sobretudo, desde que se promova a
primeira transformação do produto, como pode facilmente suceder com o
pescado, frutas ou legumes, ou assegurar operações fundamentais como a
calibragem de espécimes e o acondicionamento em embalagem. E essa
primeira transformação dos produtos agrícolas permite a sua exportação
para o mercado internacional.
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Disso exemplo, a produção e aceitação internacional de vinhos e azeites
nacionais registou progressos notáveis nos últimos 20 anos, mesmo que a
propriedade de algumas explorações não tenha resistido ao capital
estrangeiro. Por exemplo no Douro, a fileira da vinha e do vinho está a ser
capaz de consolidar rendimentos, assegurar emprego e fixar pessoas na
região, apesar da aleatoriedade das colheitas.
Depois, temos indústrias transformadoras, ditas ‘tradicionais’, mas que
hoje só sobrevivem se forem high-tech. O vestuário e o calçado são
exemplos, embora com contrastes. Hoje, a procura internacional sabe que
Portugal é um fornecedor fiável em termos de prazos e logística, além da
qualidade da fabricação e das competências que muitas empresas
desenvolveram no domínio do design e do desenvolvimento de produto.
O clima e a paisagem de Portugal são outro exemplo de vantagem
competitiva natural. Quantos países na Europa têm os níveis de incidência
de sol e as praias fantásticas que nós temos?
O mesmo se poderia dizer de muitos outros exemplos de empresas bem
geridas que souberam adaptar-se ao movimento da globalização e
explorar nichos de mercado de forma eficiente.
Não vislumbro um impacto auspicioso para as políticas industriais
orientadas para ‘clusters’. O dirigismo industrial é uma relíquia do
passado, e já não há sectores bons e maus: o que existe são boas e más
empresas. Ou as fileiras industriais brotam espontaneamente da iniciativa
privada, ou a tentação de as induzir artificialmente com ajudas públicas
está condenada ao insucesso.
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Assim, acredito que o tecido industrial na Europa tende, cada vez mais, a
resultar de estratégias de especialização, de posicionamento em nichos e
de padrões de elevado nível de serviço aos clientes.
Por isso, não acreditemos em panaceias. O País não vai transformar-se
numa potência tecnológica liderante no mundo, nem em 10, nem
provavelmente nos próximos 50 anos.
Não vai, porque não pode. Porque não tem as competências de gestão
que seriam necessárias e isso tarda décadas a ser alcançado. A chave da
indústria são os recursos humanos e a qualidade das organizações.
Temos que renunciar à tentação de termos uma vez mais um Estado
dirigista a desenhar a re-industrialização da economia. Nunca é demais
dizê-lo. Porque essa tentação está sempre ‘embutida’ na classe política,
que parece nunca se importar em aprender com os erros.
Mas, com a crise actual, há um risco: o risco de um País que não investe, o
que pode deitar muito a perder. Se consentirmos no desmembramento de
empresas que têm competitividade, o custo a pagar será muito superior
ao write-off contabilístico dos seus activos. O problema é que a
organização empresarial, quando severamente amputada, é muito difícil
de ser reconstituída.
Isto leva-me à segunda parte desta intervenção.
Não nos iludamos: não temos soluções de relançamento da economia no
curto prazo. O Estado está manietado: não tem dinheiro para injectar na
economia. Contudo, o Estado pode tomar medidas que dinamizem a
economia e a apetência pelo investimento.
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O facto de essas medidas, na sua maioria, só surtirem efeito a médio e
longo prazo não pode ser pretexto para a inacção. A inacção é o doce
embalo para o abismo.
Se queremos a retoma do investimento, temos que ‘arrumar a casa’.
‘Arrumar a casa’ significa tornar o país mais atractivo para os investidores.
E, aqui, os políticos podem fazer coisas ‘boas’.
Temos que ‘arrumar’ a casa da Justiça. Não podemos esperar que invistam
em Portugal se a inércia dos Tribunais equivale ao que se passa em países
em que não se respeita a propriedade e se estimula a prevaricação.
Temos que ter menos intervencionismo e mais e melhor regulação. Só
uma boa regulação permite um Estado eficaz e um poder político forte e
não subordinado ao poder económico.
Precisamos de um Estado legislador mais competente e mais contido. A
ideia de que os problemas se resolvem com páginas no Diário da
República é retrógrada. Continuamos a ter legislação de má qualidade,
com ressalva da que resulta da transposição do Direito Comunitário.
Do mesmo modo, o Estado tem que incentivar quem cumpre e promove a
competitividade. Temos que exigir mais discriminação positiva. Mais
selectividade. Não essa discriminação que vem da proximidade ao poder,
mas a discriminação que estimula quem já deu provas e cumpriu.
Finalmente, a acção do Estado é agora crucial em dimensões estruturantes
da economia. Vou referir-me a três dessas dimensões: o reequilíbrio das
finanças públicas, a competitividade do sistema financeiro e a
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continuidade de Portugal no Euro - três dimensões essenciais à
competitividade e ao relançamento do investimento.
Primeiro, as finanças públicas.
Não se discute que os impostos sejam essenciais. Permitem assegurar
serviços fundamentais, e devem ser nivelados de modo a garantir
orçamentos equilibrados e despesas socialmente justificáveis.
Mas a realidade que temos é bem diferente. É evidente o excessivo custo
da nossa Administração, resultante da irresponsabilidade, da
incompetência e, muitas vezes, da corrupção de altos funcionários e
governantes que actuam com poderes formais que lhes são atribuídos
sem controlo capaz e que, se não atingem níveis mínimos de eficiência,
nunca são pessoalmente responsabilizados.
A responsabilização dos políticos pela execução e cumprimento de
orçamentos é, ainda, uma miragem. Basta assumir despesa e não a pagar,
‘está tudo bem’.
Mais, a Administração Fiscal passou a disparar sobre cada euro que
‘mexe’. É a obsessão da receita a todo o custo. Quando lemos que o Fisco
perde dois terços (ou mais) das acções de contencioso que move contra os
privados, estamos no plano da litigância gratuita.
Também as leis fiscais evoluíram para códigos indecifráveis que mesmo
cidadãos com formação muito acima da média não conseguem
interpretar. Em 1986, o IVA era entendível. Hoje, não é. Em 1988, o IRS e o
IRC tinham uma lógica coerente. Hoje, ninguém a reconhece.
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É não menos obsceno o modo como o Estado atropela toda a gente para
se posicionar como credor privilegiado, nunca está vinculado a prazos na
resposta a reclamações dos contribuintes, não é onerado com custas
judiciais e pode decretar execuções fiscais sumárias antes sequer de ouvir
o visado. Do processo tributário ao processo arbitrário passou a haver
uma distância muito curta.
Mesmo que o País precise hoje de estimular a poupança como nunca nos
últimos 100 anos, o sistema fiscal desincentiva a poupança. Aliás, é o
mesmo sistema que fez ‘vista grossa’ à bola-de-neve do endividamento
das famílias que se foi avolumando após a adesão ao Euro.
Os impostos ignoram também a natalidade e a família e, pior, passaram a
fazer negócio com as estruturas familiares, ao arrepio de solenes
princípios constitucionais.
Da mesma forma, os impostos são insensíveis à retenção e reinvestimento
de lucros: quem gera riqueza e investimento não é premiado, só tem que
pagar impostos. E sei bem o que isso significa para as empresas do Grupo,
que hoje dirijo.
Pior, o esforço fiscal incide sempre sobre os mesmos,
desproporcionadamente. É fácil compreender porquê as nossas
estatísticas de impostos são a miséria que são: qualquer Governo ficaria
mal na fotografia se as revelasse com o detalhe a que temos direito. Uma
pequena fatia de contribuintes paga a esmagadora maioria dos tributos.
A discussão de novos aumentos de tributação é populismo gratuito. Pode
servir para animar noticiários, mas não serve a verdadeira e única solução:
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emagrecer rapidamente o Estado e aumentar a liquidez do sistema
financeiro – condições sine qua non para relançar o investimento privado.
Os portugueses estão asfixiados com impostos. Não seria fatal, se o
retorno desses impostos permitisse relançar a competitividade. Mas não
estou convencido disso. O somatório dos impostos sobre as empresas,
sobre os privados, sobre o trabalho, sobre o consumo, já pouco deixa para
que os cidadãos e empresas possam poupar e investir.
O argumento que vem sendo invocado pelo Governo – de que é mais fácil
e eficiente cobrar mais impostos do que esperar pelo impacto da redução
da despesa – é uma falácia que poderá deixar tudo na mesma: um Estado
obeso, gigantesco e ineficiente. E que não conseguiremos pagar – e essa é
que é a verdade.
Portugal tem de encontrar uma via rápida para passar dos actuais 50 por
cento do PIB consumidos pelo sector público para menos de 40 por cento
– e com contas públicas certinhas e auditadas, não com a tosca
contabilidade pública que ainda temos.
A tributação exagerada é sempre um factor de perda de competitividade
entre nações. Se o País terminar este doloroso ajustamento orçamental
com mais impostos do que os que à partida já existiam, nada teremos
ganho. De resto, a economia já precisava de ser aliviada de impostos antes
de a crise ter eclodido em 2008...
Mais: Portugal terá que, e rapidamente, gerar excedentes orçamentais.
Superávites, em vez de défices. É a própria dinâmica do endividamento
público que o exige. Só assim se poderá reduzir o nível de endividamento
e garantir que o peso da dívida pública no PIB cairá de forma sustentada.
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Do mesmo modo, fazer crescer o PIB é fundamental para aumentar
receitas e reduzir o peso da dívida pública nas contas nacionais.
Só assim veremos a dívida externa regredir para níveis menos
preocupantes. Só assim poderemos acomodar o envelhecimento
populacional – e os custos que ele envolve – com a acumulação de buffers
que garantam pensões minimamente decentes nas próximas décadas.
E só assim poderemos voltar a ascender nas escalas de rating e reduzir o
custo do financiamento do Estado, que contamina toda a economia. A
dívida soberana deve ter por ambição uma notação de três AAA. Discutese
um limite constitucional à dívida. Essa é que deveria ser a restrição
constitucional ao endividamento: três AAA.
Por isso, mais impostos não é caminho. Mais impostos é garantir, precária
e ilusoriamente, que a mesma despesa pública pode, afinal, ser
sustentada. Não é caminho, porque a recessão pode revelar-se duradoura
e a base tributável vai sendo delapidada. Não é caminho porque o
‘monstro’, afinal, se alimenta de impostos, no presente e no futuro.
É positivo o esforço de racionalização que está a ser feito pelo Governo.
Mas extinções de chefias e fusões de institutos não bastam. As economias
geradas são peanuts. E, cuidado, exemplos do passado provam que o
Estado é um péssimo gestor de fusões. Quase sempre, as fusões passam a
‘confusões’, com a inevitável desordem na gestão, danças de cadeiras,
desmotivação do pessoal e degradação da qualidade dos serviços.
Nunca será possível recuperar a competitividade sem cortes significativos
na despesa pública com pessoal e transferências sociais. Esta é a verdade,
e os portugueses sabem-no. Nós podemos ter um Estado que cumpre a
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sua missão com muito menos gente do que a que hoje emprega, sem
produtividade nem função útil.
Em segundo lugar, o sistema financeiro.
É crucial estabilizar o sistema financeiro e regularizar a oferta de crédito,
sobretudo às empresas que investem e que geram novos empregos. E não
se caia na ilusão de que o sector exportador vai resolver tudo: se um
exportador vende barato, não está a defender a economia do país.
As taxas de juro reais exorbitantes a que chegámos vão demorar a cair.
Não dominamos as condições globais dos mercados, mas sabemos que as
taxas de juro reais só cairão se existir disciplina orçamental, uma
estratégia geradora de superávites públicos e redução da dívida pública e
da dívida externa.
Não há milagres e os investidores internacionais não voltarão a revelar
apetência por activos nacionais enquanto não os convencermos de que o
risco-país de Portugal está numa nova rota de declínio sustentado. Por
isso, normalizar o sistema financeiro exige a prévia correcção estrutural
das contas públicas, de modo a que os fundos aplicados no financiamento
do Estado passem para a economia.
Mas essa não é a única razão por que estamos a assistir a um pesado
racionamento do crédito à economia – como se tivéssemos regredido 30
anos, até à era dos limites quantitativos ao crédito.
Esse racionamento é também explicável por erros cometidos num passado
ainda recente. Refiro-me, por exemplo, ao envolvimento de bancos no
‘design’ das estruturas accionistas de algumas empresas e a intimidades
perigosas entre políticos e banqueiros, nesses e noutros processos.
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Há sugestões públicas (por exemplo FMI) para que os bancos aumentem
os seus capitais. Os bancos reagem e alegam que as cotações actuais dos
mercados desaconselham aumentos de capital com a óbvia consequência
da diluição do poder dos actuais accionistas.
Declarações de responsáveis de grandes bancos internacionais apontam a
via da alienação de activos – créditos ao Estado e a empresas públicas.
Estamos a falar de dezenas de milhares de milhões que poderiam ser
injectados no sector produtivo.
A ‘Troika’ está a promover uma separação do trigo e do joio no sistema
bancário. É bom, mas pergunto-me se o Banco de Portugal sairá desse
processo com algum ganho reputacional. Precisamos mesmo que seja
sempre gente ‘lá de fora’ a apontar problemas que tão bem conhecemos?
Deve também preocupar-nos a vulnerabilidade crónica da Caixa Geral de
Depósitos perante certos vícios enraizados no poder. Os políticos acham
sempre que a Caixa tem fundos para tudo. É um erro. Um banco estatal
deve ter uma missão definida, e a gestão deve actuar no pressuposto de
que presta contas ao mais exigente dos accionistas: aliás, o mesmo
accionista que impiedosamente nos confisca impostos. Se assim não for,
os portugueses vão ser de novo enganados.
No dia-a-dia, as empresas são agora o alvo de pressões inexplicáveis por
parte da banca. É fundamental que o sistema financeiro seja solvente.
Mas, então, faça-se de uma assentada a ‘limpeza’ do sistema, sem ser à
custa da eternização do racionamento do crédito a quem quer investir.
Uma coisa é certa: em 2011, o peso da Formação Bruta de Capital no PIB
em Portugal está ao nível mais baixo dos últimos 20 anos. E, sem crédito à
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economia, não há investimento nem aumentos do potencial de criação de
riqueza. Sem crédito não há crescimento, e muito menos crescimento
sustentável.
Em terceiro lugar, a questão do Euro. Vem em último lugar, mas a sua
relevância é crucial.
Nem eu nem o Grupo Sonae somos inocentes no que toca ao Euro.
Sempre apoiámos a adesão de Portugal ao Euro no início da Terceira Fase
da União Económica e Monetária, em 1999.
Ainda em 1987, a Sonae foi fundadora da Associação para a União
Económica (e Monetária) na Europa, organização não-governamental que
pugnou, de forma transparente, pelo avanço do processo de integração
monetária.
Corridos quase 13 anos sobre a introdução do Euro, continuo a achar que
a Moeda Única é essencial à construção europeia e que o
desmantelamento do Euro significaria não só o congelamento do projecto
europeu por muitos anos, como arrastaria consigo um colapso brutal da
economia portuguesa. O fim do Euro significaria para nós um retrocesso,
talvez de décadas, em termos de bem-estar.
A tese de que o regresso a uma moeda autónoma nos permitiria, através
da desvalorização, novos ganhos de competitividade e maior crescimento
é um perfeito disparate, no actual quadro de crise financeira global e de
sobreendividamento da economia portuguesa.
Isso funcionava assim nos tempos dos Acordos celebrados com o FMI em
1977 e em 1983. Mas, nessa época, nem a economia estava exposta ao
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exterior como hoje está, nem mantinha os níveis de endividamento
externo proibitivos que hoje tem, nem estava numa zona de livre
circulação de capitais. A restrição que nos é imposta pelo brutal
endividamento do país basta para se perceber que um abandono do Euro
significaria, para Portugal, o retrocesso a uma era de trevas.
Contudo, nunca vimos o Euro como etapa derradeira da construção
europeia. É um pilar dessa construção, não o último tijolo. Assim, a crise
das dívidas soberanas e a instabilidade do Euro impõem uma Nova Ordem
na União Europeia, sobretudo no domínio da tributação.
Essa é outra reforma estrutural de enorme relevância, e que apoiaremos.
Sabemos que a União Europeia não prima pelas decisões rápidas. Pelo que
terá que fazer o caminho, caminhando.
A instituição de um Ministro das Finanças Europeu pode ser um passo
importante, desde que precedida do reforço da integração fiscal na União,
desde que o titular do cargo goze de estatuto especial no seio da
Comissão Europeia e disponha de poderes adequados às suas funções.
Nomeadamente, poderes de sinalizar práticas orçamentais indevidas,
fiscalizar administrações gastadoras e, também, poderes sancionatórios
eficazes – por exemplo, a prerrogativa de bloquear transferências do
orçamento da União para Estados incumpridores.
Pode ser um Ministro das Finanças Europeu, ou outra figura de desenho
mais colegial. Mais do que a forma, importa o conteúdo e a eficácia da sua
acção.
Certas ‘receitas’, como os famigerados Eurobonds, são soluções sem
enquadramento adequado. Antes dos Eurobonds, temos que ter mais
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integração fiscal pan-europeia. Antes de termos mecanismos automáticos
de solidariedade financeira entre Estados-membros – como os que
existem nos Estados Unidos da América e outras nações federalizadas –,
temos que desenhar enquadramentos que instituam os incentivos certos,
que punam a má gestão e a irresponsabilidade financeira. Soluções sem
enquadramentos adequados provocam, a prazo, mais problemas do que
os que pretensamente resolvem a início.
Em conclusão, a competitividade de Portugal depende, no imediato, de
um Estado mais magro e eficiente, da normalização do funcionamento do
sistema financeiro e da estabilidade monetária propiciada pelo Euro.
Estes dois últimos não dependem só de nós, é um facto. Mas a reforma do
Estado, essa só depende da coragem e do patriotismo de quem nos
governa.

Senhoras e Senhores, muito obrigado pela vossa atenção.