Os agricultores, como empresários que são, continuam a mostrar uma certa dificuldade em se adaptar à ideia de que quem fabrica algo para vender tem, como parte final do seu trabalho, tratar dessa venda e não entregar-se nas mãos de outros, que lhes vão impor as suas regras. Vem isto a propósito das noticias recentes, algumas de primeira página, a mostrar que o preço que o consumidor paga pelo leite é sensivelmente o dobro do que os agricultores recebem. Embora reconheça as dificuldades que a agricultura tem, especialmente pela pequena dimensão económica das explorações - mesmo as muito grandes ficam muito abaixo das grandes empresas industriais e comerciais - também sei que o único remédio conhecido para esse mal é a associação em cooperativas e federações de cooperativas, capazes de serem elas a comandar o mercado e a impor o preço, em vez de perguntarem "quanto é que me dão?" (Para comparação, vi recentemente que a extracção dum barril de petróleo, na Líbia, custa 2€). Há muitos anos que tento lembrar essa verdade tão simples. Recordo-me de dois artigos publicados em 1952 na "Gazeta das Aldeias" e outros dois no "Jornal de Sintra em 1954. Além de alguns outros até essa data, publiquei em 2006, no "Jornal de Oeiras" um, intitulado "O peixe e a hortaliça", porque as pescas sofrem do mesmo mal e tinha sido publicado num jornal que "o preço do peixe sobe 7 vezes da lota ao consumidor". Paralelamente à investigação agronómica, que tem andado a destruir, o Ministério da Agricultura devia ter um bom serviço de extensão agrícola que, nas suas funções, teria a de mostrar aos agricultores como se podem defender desta horrível situação de ver que quem colhe a maior parte dos lucros do seu trabalho são outros e não eles. Se (ou quando) o petróleo acabar, a humanidade sobreviverá e até nem terá grandes problemas pois o sol envia para a terra, todos os dias, quantidades enormes de energia que o homem tem tardado a aproveitar. Mas se a agricultura acabar, a humanidade desaparecerá ou ficará reduzida a pequenos núcleos, onde for possível colher frutos que a terra produza ou caçar alguns animais. É triste ver que, por falta de iniciativa, o sector de maior importância para a humanidade, está à mercê de outros, muito menos importantes.
Miguel Mota
Miguel Mota