Apesar da abundante evidência sobre os defeitos da nossa Constituição, os portugueses nada exigem quanto à sua alteração, principalmente nos casos em que é descaradamente antidemocrática ou que são realmente incongruentes, como sobre os que se referem ao veto presidencial que, como está, não tem qualquer significado e até pode ser prejudicial para quem o usa, como mostrei. Apesar disso, aqueles que queriam que o Presidente tivesse vetado a lei dos casamentos homossexuais continuam a insistir e, às vezes, com os mais estranhos argumentos. No "Diário de Notícias" de 11-8-2010, Miguel Félix António publicou um artigo a tentar demonstrar o grave erro do Presidente da República.
Começa por comparar o que não é comparável: um Primeiro Ministro (com poderes executivos) António Guterres (que não consentiu que, enquanto mandava, se tratasse da lei do aborto) e um Presidente da República (sem poderes executivos) Cavaco Silva que não tinha poderes para alterar a lei e que, se a tivesse vetado, nada conseguiria e ainda forneceria armas contra si.
Depois mostra não perceber que a nossa desgraçada e antidemocrática Constituição (que dá a meia dúzia de pessoas o "direito" de dizerem a 8 milhões de eleitores em quem é que eles têm "licença" de votar e em listas por ordem fixa!) define um veto presidencial que, na realidade não o é. Em vez de exigir, pelo menos, dois terços dos deputados para anularem um voto presidencial (como em qualquer país civilizado e democrático) apenas exige a maioria simples que já aprovou o diploma e que, obviamente, voltaria a aprová-lo.
Em vez de se insurgir contra os deputados que aprovaram uma tal lei, considera que Cavaco Silva foi eleito "com um programa de que não constava o seu assentimento a uma alteração, legislativa do calibre e amplitude que consubstancia a possibilidade de os casamentos poderem ser contraídos por duas pessoas do mesmo sexo, remeteu, num ápice, às malvas, quaisquer compromissos assumidos na matéria com o eleitorado que o elegeu" Espantoso!!! Como se do programa dum Presidente da República constasse a lista das leis que aprovaria e daquelas que vetaria, embora o veto, por força da nossa infeliz Constituição para nada servisse. E como se Cavaco Silva alguma vez tivesse assumido o "compromisso" de vetar (mesmo que inutilmente) a lei dos casamentos homossexuais. E, para complemento, considera "bem mais grave o incumprimento de Cavaco" (???) do que "prometer em campanha eleitoral que não subirá os impostos e chegado ao Governo fazê-lo".
São "raciocínios" deste tipo que realmente me fazem descrer que Portugal seja capaz, alguma vez, de sair deste atoleiro.
Miguel Mota