01/03/2010

Um prejuízo não avaliado

Miguel Mota


Na avaliação de prejuízos, especialmente de perdas materiais, é fácil calcular o valor de casas ou de veículos que sofreram destruição. A perda de vidas humanas pode estar fora de tais cálculos porque para familiares e amigos o desaparecimento dum ente querido é irreparável. No entanto, especialmente quando há que pagar indemnizações, sempre se fazem alguns cálculos e se atribuem valores.

Uma perda que normalmente passa despercebida, mesmo quando não é consequência de desastre, mas apenas da chuva normal, é a erosão do solo. A recente catástrofe na Ilha da Madeira, com chuvas torrenciais absolutamente anormais, como não se verificavam há muitíssimos anos, além da muito lamentável perda de vidas e de avultadíssimos bens materiais de mais fácil avaliação, causou uma perda de enormíssimo valor, que passou despercebida e não vai aparecer nas estatísticas. Trata-se da quantidade astronómica de solo arável que foi arrastado para o mar, desfalcando a terra onde se cultivam as plantas, assim diminuindo a produção agrícola. O solo agrícola que foi arrastado naquelas pavorosas torrentes, parecendo chocolate, que tudo levavam na sua frente, bens e vidas, deve ter sido o equivalente a muitos hectares de bom solo fértil. Penso que não seria impossível fazer um cálculo aproximado, sabendo o total de água caído e medindo a quantidade de sedimentos num litro ou num metro cúbico de água das torrentes.

Se esse caso extremo é bastante evidente e de impossível controle, ele chama a atenção para a perda que se dá todos os invernos, apenas com a chuva normal e que nem sempre é combatida, talvez porque as pessoas não se apercebem da sua importância, embora ela seja real.

Quando o agricultor vê uma ribeira, após uma chuvada, com a água a parecer chocolate, deve não se esquecer que é o seu rico solo a ir-se embora. Recordo-me de, numa das minhas idas à Ilha da Madeira, avistar, do avião, já perto da aterragem, a grande mancha castanha que o mar apresentava a partir da foz duma das ribeiras. Por isso, é importante que se faça tudo o que for possível para evitar ou minimizar a erosão do solo. Uma das melhores formas, especialmente em zonas de montanha, é pela arborização, que muito ajuda a reter a água e a evitar o seu escorrimento superficial. Além do combate à erosão, as zonas altas bem arborizadas, retendo a água da chuva, também contribuem para o enriquecimento dos aquíferos nas zonas mais baixas. Tenho chamado a atenção para a importância da arborização da serra do Algarve, um rectângulo de aproximadamente 100 km de comprimento e 20 km de largura, que separa aquela província do Baixo Alentejo. Além da produção da floresta e do combate à erosão, aquela serra bem arborizada contribuiria para enriquecer os aquíferos da zona baixa, com alguns quilómetros de largura onde, nos anos secos, já à vezes chega a água do mar. A zona de Monchique, a única bem arborizada, mostra o que podia ser toda aquela serra.

Para combater a erosão é necessário evitar que a água da chuva escorra com velocidade, pois se escorrer lentamente não arrasta partículas do solo. Um bom sistema de drenagem e até a subsolagem, além de outras vantagens, evitam muito escorrimento superficial. Poderá haver necessidade de aplicar outros processos e recordo-me de ter assistido, na década de 1950, aos trabalhos realizados nas suas herdades pelo saudoso Engenheiro Agrónomo Sardinha de Oliveira, para combater a erosão. O Alentejo, que de vez em quando fala na desertificação, talvez devesse considerar, mais do que actualmente, essa destruição do solo agrícola