26/01/2010

Nuno Melo e Felícia Cabrita detonaram o estado da (IN)JUSTIÇA


O tema em debate no Clube dos Pensadores era muito explosivo e os protagonistas prometiam um debate animado. De facto, o sentimento que perpassa na sociedade é o da impunidade ao crime nas altas esferas e que a administração da justiça é feita apenas aos pobres. Como dizia Medina Carreira, o sistema judicial é forte a prender quem rouba um pão para comer. As “boas famílias”, que mandam no país (económicas e políticas), ficam a salvo de qualquer incómodo com a justiça. Felícia Cabrita demonstrou a coragem que a tem caracterizado desde que começou a fazer jornalismo de investigação de alto nível. Disse que a justiça em Portugal se caracteriza pela sua extrema gravidade. Há um clima de perseguição latente, comparável à Santa Inquisição. É inadmissível, por exemplo, a perseguição que poderes da capital movem orquestradamente a um clube do norte (FCP) e à sua estrutura de comando. Pior é que há uma conivência da imprensa, que é revoltante, que alimenta este estado intimidativo.
A convidada disse que Portugal é historicamente tido como um país de ladrões, chicos-espertos, diria eu. Obviamente que o exemplo generalizado foi feito para vincar o estado deplorável em que a justiça e o poder público chegaram, confirmando o livro de Raymond Fisman em “Gangsters Económicos: corrupção, violência e a pobreza das nações”. Assenta como uma luva ao que foi dito

Felícia parodiou a actual situação contando uma fábula em que um ministro pela calada da noite assaltou o cofre de um banco com a conivência generalizada do sistema judicial, negando o óbvio (e ululante, como diria Nelson Rodrigues). Disse que as alterações ao Código do Processo Penal tinham a ver com os processos Freeport, Face Oculta, Cova da Beira e Casa Pia, porque gratas figuras do aparelho de Estado e político estão envolvidos e devem ser ilibados com cirúrgicas alterações. Aliás, durante a discussão um magistrado deu o seu testemunho corroborando esta ideia e deu exemplos de artigos do CPP que têm endereço certo. Uma vergonha.

Nuno Melo foi eloquente e suavizou a generalização das afirmações de Felícia no que toca ao rótulo de ladrões aos portugueses. Disse que o problema em Portugal é que não se dá o devido destino aos que efectivamente são ladrões.
Lamentou as alterações ao CPP para proteger os prevaricadores e deu exemplos gritantes.

O mais paradigmático foi o das negociatas que o Governo PS e o Ministério da Justiça têm feito com privados, alugando prédios para funcionamento de Tribunais como o de Guimarães, que além de situar-se em local inadequado, é impróprio para a actividade. Foi alugado por 4 milhões em 10 anos a uma empresa que não era dona do terreno ou edifício, que munido do contrato de aluguer com o Estado, o deu em garantia ao BPN que lhe emprestou os 4 milhões em 10 anos. Com esta verba, tal firma (de chicos-espertos adequadamente relacionados) comprou por 1,8 milhões o prédio ao verdadeiro dono. Embolsou na operação 2.2 milhões, que o povo português pagará em impostos. O pior é que daqui a 10 anos o prédio é da tal empresa e o Estado tem de procurar outro local.
O mesmo se passou com a parceria público-privada do campus da justiça no Parque das Nações. Negociatas escandalosas em que o erário público sai escorraçado. Que imprensa se indignou com estes factos? O Tribunal de Contas disse ou agiu em conformidade?

Joaquim Jorge foi contundente ao fazer perguntas aos convidados, que não esconderam nada. À questão do apoio a Vitor Constâncio para vice do BCE, Nuno Melo disse que não tem influência na decisão, como é óbvio, mas não poderia ficar calado, pois VC teve indícios claros de que o BPN em 2002 já era um caso sério e nada fez. Revelou-se incompetente na supervisão, como poderia recomendá-lo para o cargo? Mais ainda quando não consegue retirar lições dos erros cometidos.
O debate foi dos mais animados e as duas salas lotadas ficariam mais 2 horas a ouvir os convidados de bom grado.
De realçar uma afirmação de Felícia Cabrita acerca da liberdade e do exercício da democracia em Portugal, afirmando que o país não está, na verdade, habituado a este exercício e que não existe em Portugal um fórum como o CdP, pois se existissem vários, o país seria diferente, dada a consciência cívica e o escrutínio que daí adviria.

Uma noite como poucas no Clube dos Pensadores, em que Felícia Cabrita e Nuno Melo detonaram como um vulcão o estado da Justiça em Portugal, em que o topo do poder Judicial está a aparar o jogo “sujo” dos políticos. As pressões mais que muitas, a roubalheira descarada em que os ladrões são grandes figuras do país, a corrupção descarada, ao contrário do passado em que era escondida, caracterizam o deplorável estado em que chegou a Justiça em Portugal. Este é o Portugal profundo, que caminha para um lodaçal em que dificilmente se desligará. O fim do país?
O tema merece continuação de debate com o elevado nível que este teve. Presentes na plateia ,António Ribeiro juiz desembargador e ex-secretário de Estado dos Assuntos Judiciais , Margarida Almeida deputada do PSD , António Barbosa assessor de Luís Filipe Menezes, Madalena Silva conselheira nacional do CDS/PP e muitos juízes e magistrados.



Mário Russo