08/08/2009

CICLISMO , SAMEIRAS , CARAMILOS e PIROLITOS


José Magalhães

Com a minha infância ainda a meio, o ciclismo era uma modalidade rainha em Portugal. O hóquei em patins e o futebol, eram as outras, que moviam milhares de adeptos em delírio por esse País fora.
Como muita gente da minha geração, percorria muitos quilómetros para ver os ciclistas passarem na estrada ou para assistir a um desafio de hóquei.

Nas férias de verão, que se prolongavam quase por três meses, as brincadeiras reflectiam essa alegria e essa “afficcion”.
Durante a parte das férias que se passavam na aldeia (vila na altura e hoje cidade), a poucas dezenas de quilómetros do Porto, fazia, em conjunto com um primo que ainda hoje é um aficionado tremendo do ciclismo, uma brincadeira que julgo ser inédita.
Contada de uma maneira simples, era assim que as coisas se passavam. Cortavam-se quadradinhos de papel, pequenos, onde se escreviam os nomes e os números dos ciclistas concorrentes à prova. De um modo geral, eram os mesmos que corriam na volta a Portugal do ano em que estávamos. As equipas, claro, eram também as mesmas. Porto, Benfica, Sporting, Sangalhos, Tavira, etc.

Jogava-se de uma maneira engraçada. Como se lembrarão, alguns poucos, a rega dos campos era feita através de regos de água que percorriam um trajecto mais ou menos grande, desde o tanque onde estava armazenada até à leira a regar, com curvas largas ou em ângulos apertados. Assim, colocavam-se os quadradinhos de papel na água, e íamos seguindo o trajecto dos “ciclistas” até à leira que se pretendia regar na altura. No fim, escrevia-se numa folha de prova, a ordem de chegada, e os pontos que cada um recolhia pela classificação que obtinha. Durante o trajecto, se um papel encalhava nas pedras ou nos paus do caminho, era de imediato solto para continuar viagem. Se insistia em encalhar, era desclassificado. Havia várias etapas, cada uma no seu campo de cultivo, ou em trajectos diferentes no mesmo campo. Estas corridas, demoravam semanas a terminar uma vez que no fim de cada etapa, era necessário secar os ciclistas. Cada etapa demorava cerca de duas horas, pelo que estávamos muito tempo entretidos com estas brincadeiras.

Durante a parte das férias que se passavam na praia, as brincadeiras eram outras. Havia corridas a pé de uma praia a outra, jogos de matraquilhos (na Praia do Molhe), natação nas águas frias da Foz do Douro (Praia de Gondarém), saltos para a água (Praia do Molhe), jogos com o prego, à babona, e acima de tudo, corridas de sameiras. Era o nosso jogo por excelência, que demorava horas a executar. Era preciso construir a pista, em areia, com subidas íngremes, descidas, pontes estreitas, saltos, túneis, zonas estreitas, zonas largas, metas volantes e meta final. Quem saísse fora da pista voltava à meta volante anterior. O jogo era simples. Pegava-se nas sameiras, e na parte interior colocava-se o número e o nome do ciclista. Eu corria com o Joaquim Leão,

Um bocado de casca de laranja para dar peso no interior da sameira, ou uma tampa plástica de garrafa com areia dentro, para dar o mesmo efeito, e toca a jogar. Na altura eu era muito bom no jogo, tinha certeza na mão, força nos dedos e técnica, que era bem necessária. Havia quem tomasse nota das classificações das etapas, e no fim da corrida, com meia dúzia de etapas que se prolongavam por uma semana, o que ganhava sentia um orgulho imenso e era considerado o melhor pelos outros.

Na altura, a meio da tarde, logo após a hora do banho, não esquecer que fazíamos as três horas inteirinhas de digestão, passava a senhora da língua da sogra, ou a das bolas de Berlim em miniatura, e, antes ou depois, o homem das batatas fritas à inglesa. Quem tinha dinheiro (éramos poucos os que o tinham), comprava alguma dessas coisas. Eu, tradicionalmente, esperava pelo caramileiro, depois de comer um pacote de batatas. O homem, todo vestido de branco, vendia caramilos, espécie de rebuçado em forma de guarda chuva, doce, muito doce, que eu me deliciava a comer. Na barraca de meus pais, estava à minha espera um pirolito que avidamente bebia a acompanhar o caramilo.

Eram tempos bons, esses. Sabíamos brincar. Inventávamos brincadeiras. Não havia brinquedos caros que brincavam sozinhos (por vezes nem brinquedos havia), e não nos sentíamos tristes por não termos mais nada para fazer.
Ah, esqueci-me de dizer, as sameiras, nome que na nossa zona norte dávamos às coisinhas que usávamos para brincar, eram as tampas das garrafas dos refrigerantes, que coleccionávamos (havia quem tivesse dezenas, todas diferentes). Hoje, infelizmente perdeu-se o uso do nome, e como outras coisas que nos foram impostas por terceiros e às quais mudaram o nome, chamam-lhes caricas.