16/08/2009

ARTIGO DE OPINIÃO


Texto de opinião sobre a « Democracia» .pág.30








Democracia

16.08.2009, Joaquim Jorge
Os movimentos sociais e os actores sociais e societários de base estão a querer e a exigir um protagonismo principal


A democracia - comenta Perelman - é um regime menos eficaz, portanto, mais fraco do que um regime autoritário. Resulta daí que ele é sempre um regime ameaçado, sempre precário e que é preciso sempre defender. A democracia parece ter-se tornado uma exigência. Mas, precisamente por isso, mais importante do que apregoá-la é necessário defendê-la com princípios e prática social em que os cidadãos devem vigiá-la com praxe de cidadania, sem a qual pode ficar esvaziada e falseada.A elevada abstenção nas últimas eleições europeias é uma crítica rotunda à maneira actual de se fazer política e não é só uma impugnação específica à construção europeia. Existem poucas diferenças entre os partidos. Os valores públicos estão em queda, a corrupção, o descrédito das instituições públicas, o nepotismo derramado e as suas práticas, a ignomínia inesgotável em que a política caiu, levando à quebra de todos os valores e à deterioração de todas as referências colectivas, deixaram-nos encovados e perdidos na confusão, atónicos e desarmados, sem termos a que nos agarrar. No fundo, perplexos com a implosão da democracia. Os partidos políticos estão apartados do público com a sua tendência para a endogamia e o sectarismo partidocrático. A sua acção, tirando raras excepções, reduz-se a lutas pelo poder e com demasiada frequência ao enriquecimento de muitos. As suas manifestações de júbilo quando vencem eleições com os nossos votos deveriam ser distintas das que provocam os milhões do Euromilhões. A menos que os benefícios de ganhar eleições sejam parecidos com ter o primeiro prémio do Euromilhões. Cabalas, negociatas, abusos lá do cimo, é o quotidiano da política. Era inevitável que os cidadãos que não militam num partido - a grande maioria dos portugueses - se desinteressassem pelos avatares das suas brigas, rechaçando os seus modos e o seu exercício. Essa constatação verifica-se na reiterada abstenção como expressão privilegiada, senão única, da democracia. A desclassificação das eleições é, antes de mais, uma critica à política democrática actual e à falta de opções claras. A incessante trasfega da classe política, por iniciativa própria ou respondendo a incitações do poder, criando uma recompensada circulação que nada fica a dever à dos futebolistas profissionais, alimenta a confusão e deixa perplexos os cidadãos.Deveremos lutar contra esta hegemonia e lutas de poder nos partidos, insistindo cada vez mais em que o problema não é só em quem votar, mas sim para quê votar. Deve enraizar-se como prática de cidadania. As pessoas querem caras novas e por isso a alternativa é renovar os rostos daqueles que estão à frente de projectos políticos. E estes têm que perceber que estão gastos e ter a coragem e clarividência de reflectir sobre se faz sentido continuarem na primeira linha do debate e intervenção política. Os movimentos sociais e os actores sociais e societários de base estão a querer e a exigir um protagonismo principal, mobilizando forças e procedendo a uma impressionante convocação de energias e de pessoas. Essa acção directamente popular e genuína é a via mais segura para tirar a democracia desta atonia e irresolução. É preciso encarar a democracia menos como um regime político em que se postula o pluralismo e realçar os elementos que possibilitam e dão consistência à vivência desse pluralismo. Fundador do Clube dos Pensadores, jota.jota@sapo.pt