29/03/2009

Discurso de Sócrates surpreende


Mário Russo

Fiquei surpreendido com o discurso de José Sócrates, o nosso PM, à nação. De facto, ante uma crise global, com características únicas, exige-se novas abordagens. Sócrates, convoca todos os Partidos e fala com clareza à nação, resumindo os objectivos do PS quando se propôs governar Portugal, há cerca de 4 anos. Disse quais os pressupostos de base e o que pretendia fazer, mas que tudo mudou. Perguntou se alguém adivinhava alguma crise e, sobretudo, o seu tamanho?

Claro que ninguém adivinhava. Pasme-se que ele reconheceu que também não e que pedia que o povo português entendesse que os grandes investimentos, que na sua óptica modernizariam Portugal, teriam que ser adiados para data oportuna. Que não seria quebra de compromisso com o eleitorado, mas uma necessidade e seriedade na governação nestas circunstâncias. Para isso, estabelecia uma plataforma de discussão para a saída da crise. Queria que os Partidos da oposição e a sociedade organizada ajudassem o País e estabelecessem com o PS e o Governo as metas e objectivos a atingir com os meios disponíveis, ou seja, com as receitas de impostos e dos fundos europeus disponíveis, neste quadro de profunda crise.

Sócrates queria o envolvimento de todos para que se sentissem co-responsáveis pelas soluções a adoptar/seleccionar. Quais as prioridades, que obras realizar, como aplicar os fundos de coesão ainda disponíveis, que défice a atingir, que nível de impostos se deveria impor, que ajudas e que extensão, enfim, que estratégia.

Entretanto acordo e verifico que não tinha passado de um sonho. O Governo teima em continuar com o TGV e o novo aeroporto, que vão consumir o dinheiro dos portugueses para as próximas décadas. Tudo na mesma como se nada tivesse acontecido desde a elaboração do programa eleitoral deste governo. A receita Keynesiana do investimento público, pese embora recomendável, não tem de ser com as obras de regime que este governo quer levar a cabo. Elas têm o seu tempo de realização, que não é agora. Só consumirão rios de dinheiro cujo destino é o estrangeiro, pois não há comparticipação para as empresas portuguesas. Servirão meia dúzia de empresários, e Portugal, depois delas, vai ficar pior do que está hoje.

A discussão das soluções continua no segredo dos deuses e nas catacumbas dos gabinetes. Não é aproveitado o capital de conhecimento da oposição e da sociedade que se tem debruçado sobre estas questões para alavancar soluções participadas. O que está em causa, em meu entender, é o autismo do governo que quer continuar só. Não pretendo subverter a legitimidade do PS e governo, mas que este interprete democraticamente o que é governar: estabelecer prioridades e consensos. Não é impor à força, mas com a razão. É ouvir e decidir em prol dos portugueses e não dos interesses de clientelas. As condições actuais são diferentes, logo, as soluções e prioridades necessariamente têm de ser diferentes.
Não é de estranhar as greves, as revoltas, as falências, o desespero. Parece óbvio, mas afinal só em sonho
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