27/11/2008

CAPITALISMO , LIBERALISMO E BASBAQUES


Nos tempos áureos da indústria têxtil chegaram a existir fábricas com mais de cinco mil trabalhadores, nos vales do Ave e Cávado. Nessa época a quase totalidade dos lucros da indústria provinha do que se produzia e isso dependia, em grande parte, da força de trabalho contratada. Actualmente, fábricas desse calibre, como a Riopele, empregam, quando empregam, ou se ainda existem, pouco mais de mil trabalhadores e, da totalidade do seu lucro, apenas quinze porcento deriva do que produzem. Os restantes oitenta e cinco por cento são proveniente de transacções realizadas na bolsa de capitais. Em suma, as indústrias hoje já não valem pelos operários que empregam ou pelos produtos que fabricam, mas pelo valor que o mercado julga que possuem, ou poderão possuir. Desta forma o valor das empresas deixou de ser real, para passar a ser especulativo. A isto chama-se capitalismo.
Em França, o patrão, e maior accionista da Louis Vuitton et Moët Hennessy (LVMH) recebe de salário mensal três milhões de euros e, apenas em 2007, obteve um lucro de trezentos e trinta e cinco milhões de euros. Naquele país, onde possuía uma única fábrica, pagava de salário mensal a cada uma das suas cento e quarenta e sete trabalhadoras, mais ou menos, mil euros. Nestas circunstâncias resolveu deslocalizar a fábrica de solo francês, argumentando que as trabalhadoras custavam muito dinheiro. A isto chama-se liberalismo económico. Ou seja, a política dominante que permite o despedimento de trabalhadores e a deslocalização de fábricas, em nome da ganância, sem que sejam respeitadas quaisquer contrapartidas socioeconómicas, perante as pessoas ou o Estado.
Face à gravidade (e ao absurdo) destes casos o cidadão comum, não raras vezes, reflecte que tudo isto poderia ser evitado se o Estado defendesse os interesses da nação ou os dos seus cidadãos, se pessoas como o patrão da LVMH estivessem dispostas a ter um pouco menos de lucro de modo a manter a produção nos países de origem, ou se os restantes accionistas estivessem dispostos a ganhar um pouco menos para que os trabalhadores pudessem continuar a viver, sem a ajuda de terceiros.
Infelizmente, pelo que vimos nos últimos dias, nenhum destes actores está preocupado com o que pensa o cidadão comum. Sobretudo, porque apesar da crise financeira, dos ralhetes às instituições financeiras e de outras medidas de propaganda anunciadas para sossegar a opinião pública, os Estados continuam a injectar dinheiro nas organizações que levaram o sistema ao colapso. E as instituições, em função desta atitude, continuam a operar da mesma forma. Assim tudo continua na mesma: o mesmo sistema, as mesmas instituições e as mesmas pessoas. Para confirmar esta evidência basta reparar que, apesar de serem conhecidos culpados pelo que aconteceu, das perdas que provocaram e dos milhares de trabalhadores que condenaram ao desemprego, ninguém foi indiciado criminalmente pelas práticas que os governos vêm publicamente condenando.
E enquanto isso sucede, nas ruas dos países ocidentais, os basbaques do costume, que sofrem as consequências da crise, continuam a admirar as máquinas de poder daqueles que as provocam.


Paulo Ralha