Mário Russo
Angola acaba de protagonizar um momento que poderá ficar na história com a recente campanha eleitoral. Pelo que ouvi e acompanhei à distância, tudo correu bem e conjuga-se para que as eleições sejam livre e honestas.
Estive recentemente naquele país, um potentado em África, e vi um desenvolvimento impressionante. Depois da morte do senhor da guerra, o sanguinário Dr. Savimbi, o país começou a erguer-se de uma destruição encetada por décadas de luta fratricida e sem sentido, como aliás são todas as guerras.
O que mais me agradou foi o avanço na educação, bastante carenciada e que Portugal deveria ter uma estratégia, mas não tem. De facto, vi escolas em que as crianças tinham aulas à sombra de uma mulemba ou de um eucalipto no pátio da escola.
As professoras de bata branca, à volta das quais os meninos e meninas, também de bata branca, sentados em pequenas cadeiras de plástico similares às que são usadas na praia, seguiam a lição numa lousa presa à árvore. Uma escola com capacidade em sala de aula para 400 alunos, tinha vários turnos e turmas à sombra de árvores, que perfaziam mais de 3000 alunos. O mais simples seria o governo estabelecer um numerus clausus e deixar as crianças sem escola, como se fez em Portugal. Portanto, é um sinal muito positivo.
Os comentários mais frequentes em Portugal são sobre a corrupção dos governantes angolanos. Admitindo que seja verdade, não pode ser vulgarizado, nem tão pouco comparado com a Europa, onde também há corrupção. É uma simplificação grosseira de uma realidade complexa. Angola viu-se despida, de um dia para o outro, dos seus melhores quadros. O natural seria o colapso, como aconteceu. Hoje o país está a erguer-se, depois de um duro aprendizado de mais de 30 anos e precisa de compreensão e não de repreensão.
Alguns programas na imprensa portuguesa são de escárnio para com Angola. Debocham com o seu povo e governantes, demonstrando ignorância, falta de senso e sentido de Estado, como é o caso da SIC, com Clara Ferreira Alves e seus “Claretes”. Não ganham nada com as diatribes, como se fossem “teenagers” com idade mal resolvida. Instigam os angolanos à revolta e represália, como meio de reciprocidade. Bem sei que não deveria ser assim, mas lá chegarão, quando a maturidade democrática for mais forte.
Aqui, em Portugal, é que se deveria haver mais compreensão, sem deixar de se estar vigilante e sem deixar de se ser crítico, porém com civismo, educação e proporcionalidade. Não é com laivos de colonialista, como fazem os “Claretes”, que se constrói um caminho de entendimento entre os nossos povos.
Angola tem sido acusada de “dar” muito à China. Esquecem-se os detractores, que foi a China que lançou uma linha de crédito a Angola quando todos lhe negavam (chama-se visão). Agora que a paz permite exploração do petróleo, acrescida do aumento de preço, e de outras riquezas, Angola está a vingar-se das negas, inclusive ao FMI. Até tem sido benevolente para com países europeus, inclusive Portugal, pois já lá estão milhares de empresas portuguesas a trabalhar a “safar” as suas finanças.
Portugal tem de ter a inteligência de praticar uma diplomacia pragmática e tolerante, porque os portugueses têm a sua quota-parte da responsabilidade nas desgraças que aconteceram naquele país. Debochar pode ser muito piadético, mas não traz nenhum benefício real, pelo contrário.
Por tudo, desejo que as eleições sejam um marco histórico naquele país e um exemplo para outros países africanos, porque Angola é um líder natural em África e será um exemplo para o mundo. Aquele povo merece que o desenvolvimento os atinja e é nessa vigilância que devemos investir o nosso melhor.