13/06/2008

Crise económica: aviso à navegação




Mário Russo


Portugal está mergulhado em contestações sociais que em nada perturbam o senhor Primeiro Ministro José Sócrates, que revela bem a sua sensibilidade e apreço por essas questões. O preço do petróleo está a afectar diversos sectores da economia, agravando tensões com o aumento do preço dos bens, não só os de primeira necessidade, uma vez que o petróleo entra na composição do preço de todos os produtos, em maior ou menor percentagem.

O governo tem insistido que é um problema importado e nada pode fazer, mantendo-se inflexível, argumentando que não pode penalizar os portugueses com medidas que comprometem as metas do desenvolvimento.

Sendo Portugal o único país da Europa em que o PIB per capita tem caído, recomenda o bom senso aliviar a carga fiscal dos portugueses fustigados por uma perseguição implacável.

Vejamos algumas incongruências do nosso sistema fiscal, que ano após ano se vem refinando na arte de subtrair coercivamente os portugueses. Em primeiro lugar a incidência de impostos sobre impostos, que não lembraria a AL Capone. Temos o IVA sobre o imposto sobre produtos petrolíferos e sobre o imposto automóvel. Os políticos na oposição reclamam, mas esquecem-se quando são situação, dado que são milhões de milhões que servem para assegurar o regabofe da despesa pública (não produtiva a maior parte dela). Se há crise instalada no seio das famílias e da economia, uma prova de seriedade seria acabar com esta excrescência fiscal de taxar com imposto outro imposto. Ou seja, de castigo, paga-se um imposto por se pagar o imposto (ISP e IA).

Analisemos agora o petróleo (fonte: Direcção Geral de Energia e Geologia). O preço em 2003 era de 0,71€/L, dos quais 0.43€ eram taxas (ISP e IVA). Em 2008 o preço no 1º Trimestre era de 1,212€/L e de taxas 0.572€/L. As taxas/impostos foram neste período, em média, cerca de 52% do preço total. Com isto o governo arrecadou o ano passado mais de 3.5 mil milhões de euros à custa do aumento do preço dos combustíveis, razão porque não tem nenhum interesse em resolver esta crise, que só é para o povo.

Se o ISP cobrado em 2003 era de 0.29€/L, porque há-de cobrar de imposto quase 100% deste valor em 2008 (0.572€/L), quando há um recrudescer dos preços em toda a linha, pondo em causa a coesão social?

Outra coisa que se pode constatar sobre a decisão da Autoridade (?) da Concorrência, que chegou à conclusão que não há cartelização de preços. Na estrutura actual, mesmo sendo uma estrutura cleptocrata legal, em números redondos, cerca de 50% é uma componente de preço variável. Como é possível que não haja diferenças de preços entre os grandes distribuidores?

Se o governo quisesse apoiar a economia tinha margem de manobra com a eliminação do IVA na formação do preço dos combustíveis, através de alteração legislativa no código do IVA, cumprindo-se o preceituado na nossa constituição, que desgraçadamente é esquecida.

A nível internacional, no seio da UE, poderia inovar encabeçando um movimento que pensasse diferente: acabar com os especuladores de casino que comandam a economia mundial. O petróleo seria negociado por uma única entidade para todos os países da UE, eventualmente com a inclusão dos EUA, Canadá, Austrália e Japão, cuja negociação seria do tipo governo a governo, sem intermediários (grandes grupos financeiros e fundos, geridos por magnatas que açambarcam mercadorias), que fabricaram esta crise para recuperar o que perderam no sub-prime americano. Só esta mudança de atitude, resolveria o preço do petróleo, que deveria estabilizar em preços justos.

Obviamente que o modelo extractivista e depredador de recursos naturais também deve acabar. Por isso, seria necessário encetar mais medidas reais com vista à utilização eficiente da energia; ao uso intensivo de energias alternativas, vedando, no entanto, a sua produção a partir de grãos alimentícios; incremento da investigação de novas formas de produção de energia; alteração do modelo de ocupação do território e do modelo de trabalho vigente, por exemplo.

Tudo isto leva tempo, pelo que não se pode abdicar, do dia para a noite, da energia de origem fóssil, sem pôr em risco a coesão social a nível planetário, como se está a ver, pese embora, repito, ser uma crise encomendada pelos ricos dos mais ricos. Por tudo isto, ou é falta de competência do governo ou a sua visão é curta, ou ainda, não interessa verdadeiramente.

O governo corre o sério risco de continuar a ver diminuir as receitas de impostos, como já sucede, não pela medida da sua diminuição, mas pela sua impossibilidade de cobrança por definhamento da economia. Já não há mais nada no saco para extrair. Ao contrário, diminuindo os impostos, poderá alargar a base de tributação, mantendo-se em termos absolutos os níveis de arrecadação.


engenheiro e frequente no blogue