10/04/2008

Carvalho da Silva dá aula de coerência de vida


Mário Russo



O debate sobre o Trabalho e Sindicalismo em tempo de Globalização com a participação de Carvalho da Silva, líder da CGTP, com João Luis de Sousa, jornalista, José Carvalho, engenheiro em representação da plateia do Clube dos Pensadores e Joaquim Jorge o seu fundador, foi mais uma demonstração da pujança e vigor de cidadania, numa noite fria e chuvosa, com um programa na RTP “Prós-e-Contras” muito aliciante, que JJ nos proporcionou.

Joaquim Jorge fez a apresentação do painel e avisou logo que gostaria de dizer umas coisas. Apresentou o convidado especial, Carvalho da Silva, salientando o seu percurso feito a pulso. Um homem do norte que triunfou em Lisboa e se distingue pela coerência de vida e transparência, inclusive divulgando sem rodeios os seus rendimentos e regalias (que são poucas) pelo cargo que ocupa.

Carvalho da Silva, sociólogo e doutorado em sindicalismo e trabalho, surpreendeu-me pela clareza do discurso e pelas posições sensatas que transmitiu, sempre com força e convicção. Tem consciência das dificuldades que o sindicalismo, seu movimento de sempre, corre em tempos de globalização.
A competitividade entre nações e empresas leva ao desmantelamento e deslocalização para paraísos de mão-de-obra barata. Se os trabalhadores da Europa não se opuserem estarão a perder, e não beneficiam os trabalhadores dos locais que recebem as fábricas, pois serão explorados. Ou seja, todos perdem.

Revelou o seu receio por serem menos de 600 mil empresas, a nível mundial, que na verdade ditam as regras de mercado mundial, incluindo as leis laborais, as regras e procedimentos, para que seja mais fácil a gestão destes gigantes que mandam em governos e parlamentos. Carvalho da Silva alertou para o chavão “Mudança” como sinónimo de modernidade, o que não é verdade. Referiu, e bem, que muitas vezes modernidade é conservar, por exemplo valores ancestrais, digo eu.

João Luis de Sousa reforçou a ideia de que o sindicalismo terá cada vez mais lugar nas sociedades em que há grande flexibilidade de contratação e de despedimento. Deu exemplos dos EUA, da Irlanda e da Suíça, países ricos em que o trabalho é muito flexível e, no entanto, os sindicatos são fortes. Quanto mais desregulamentado o mercado, mais se justificam sindicatos fortes.
Referiu também que o actual paradigma empresarial centra-se na inovação e na liberdade que as direcções das empresas propiciam e cultivam para que os seus funcionários sejam criativos. Quanto ao capital, este desloca-se para onde há maior rentabilidade a uma velocidade e muitas vezes sem o controlo que se desejaria.

José Carvalho foi sintético e enalteceu o percurso e personalidade de Carvalho da Silva, que admira. Lançou várias provocações e muitas perguntas sobre o futuro do trabalho e dos postos de trabalho como conhecemos, em tempo de globalização, certamente difícil, e como podem as multi-nacionais serem contrariadas na sua hegemonia e liberdade de movimentos para que o trabalho seja central, ideia defendida por CS, onde o sindicalismo tem uma palavra a dizer.

Joaquim Jorge virou o seu discurso para a questão do tipo de enriquecimento imoral verificado em Portugal nos últimos tempos e no ataque perpetrado ao funcionalismo público. Centrou a sua preocupação na falta de respeito que as políticas e estratégias adoptadas pelo actual governo para a modernização administrativa que não passam de ataques virulentos às pessoas que escolheram um dia ser funcionários do Estado. Não há respeito pelas pessoas, que são deslocadas para um quadro de excedentários como de mercadoria se tratasse, tudo sob o diáfano manto da “mudança”, como se fosse algo de muito bom, como aliás disse Carvalho da Silva.

A plateia esteve muito animada e muito bem moderada por Joaquim Jorge que consegue pôr meio mundo a falar, dando voz a quem não tem, como costuma dizer. No debate falou-se do perigo que é a China pois é repositória das deslocalizações causadoras de disfunções na economia mundial. João Luis de Sousa lembrou que sendo verdade, também é um mundo de oportunidades que se abrem ao consumismo de qualidade para as elites daquele país gigantesco e que as empresas do ocidente podem aproveitar.
A qualificação da mão-de-obra deve, em meu entender, ser o motor de arranque para a economia do país. Carvalho da Silva lembrou os licenciados desempregados. No entanto, julgo que tal acontece por se tratar de formações que o mercado não carece, sendo, por isso, um erro no alvo da formação que o nosso ministério nunca teve competência para moderar/regular. Portugal tem de assentar a sua qualificação profissional na engenharia e nas novas tecnologias, nas telecomunicações e formas avançadas de comércio e turismo (lúdico, de saúde e do conhecimento).
Joaquim Jorge lamentou a dicotomia trabalhador público/privado, em que os privados glorificam Sócrates por este ter escolhido os funcionários públicos para os “massacrar”, porque são considerados os privilegiados/malandros deste país, nomeadamente os professores. Lamentou que não se direccionasse a discussão de modo a clarificar essa errada e distorcida ideia feita e se ignorasse a verdadeira dimensão do problema, pois é falsa essa ideia de privilégios.
Carvalho da Silva despediu-se lembrando que são locais como o Clube dos Pensadores que fazem a diferença, à indiferença que se instalou na sociedade portuguesa de fraca/nula participação cívica. Em foros como este é que se solidifica a luta contra a injustiça e a prepotência instalada nos mercados e na política portuguesas.


engenheiro , professor no IPV , membro e frequente no blogue