Mário Russo
Encontro-me em Luanda a ministrar uma disciplina do mestrado em Engenharia do Ambiente, numa parceria da FEUP e da Universidade Agostinho Neto, e tenho acompanhado mais superficialmente os acontecimentos em Portugal, muito por conta dos cortes no acesso à internet no hotel da Universidade e à baixa velocidade disponível, motivo da minha ausência em comentar artigos interessantes. Parabéns ao Joaquim Jorge e ao Clube pela magnífica jornada de Matosinhos, um verdadeiro sucesso. Só não concordei, meu caro Joaquim Jorge, com a desfocagem dada à regionalização, que se traduziu na maior prestação de serviço aos políticos centralistas que querem amarrar o país ao atraso do desenvolvimento regional. Mas é a sina do Norte atrasado que cava a sua própria sepultura. No resto que grande sucesso só possível pela força da natureza que é o JJ (tenho pena de discordar frontalmente quanto à visão pequena da regionalização, que contribui para a confusão que os centralistas querem).
Mas voltando a Angola que está a fervilhar por todos os lados. Com a paz emerge um tempo de reconstrução das infra-estruturas deterioradas e destruídas e a ampliação das diversas redes. Outro aspecto que surge à vista de todos como fulcral para o desenvolvimento do país é a educação, aqui como em qualquer lugar, o mote da verdadeira independência. A atitude da Universidade Agostinho Neto de Luanda, única de Angola, com vários pólos nas províncias, é o exemplo de como formar os formadores de que o país necessita.
Participei também há dias no fórum do sector das águas, no novo e magnífico Centro de Convenções de Talatona (Luanda Sul), com a presença de diversos especialistas internacionais, da ONU, da UNICEF, do Banco mundial, de universidades, consultores de empresas e responsáveis do sector nas diversas províncias. Foi apresentado o plano nacional da água pelo seu Director Nacional, um colega nosso, com directrizes claras e financiamento garantido. No entanto, foram os representantes das províncias que se manifestaram mais cépticos, porque já se frustraram no passado com promessas em vão. Aqui, como aí, a credibilidade dos políticos que prometem é essencial para que haja adesão no futuro a iniciativas que precisam da cooperação de todos. Mas agora será diferente, pois se conjugam três factores fundamentais ausentes no passado: a paz, um plano credível e financiamento para a execução.
Cruzei-me com técnicos e empresários de vários países. Conversei com consultores (muitos deles uma verdadeira praga, ante o pedido de um “Fiat uno, propõem um Ferrari para andar em “picadas”) e fiquei com a nítida convicção que Portugal devia fazer mais e estar mais atento ao evoluir deste gigante africano de expressão portuguesa.
Constato, confirmando nas conversas com ex-colegas da antiga Universidade de Luanda, bem posicionados na esfera governamental, que Portugal não tem estratégia nenhuma, a não ser fazer negócio como mero mercantilista.
Angola precisa de mais, maior e melhor atenção. Angola precisa de formação em todos níveis: formação de professores e requalificação dos existentes para os níveis primário e secundário; formação profissional, cursos de especialização tecnológica e cursos de nível superior. Portugal tem uma capacidade instalada excedentária, com milhares de professores no desemprego. È a altura de sentar à mesma mesa em absoluto pé de igualdade com as autoridades angolanas e propor um programa conjunto baseado nas necessidades detectadas pelo governo angolano, cuja formação fosse oferecida pelo governo português, em troca da abertura dos investimentos públicos em infra-estruturas às empresas portuguesas.
Note-se que é um plano para uma década, quiçá fundamental para tirar Portugal do fundo do buraco em que está e teima em permanecer, com tamanhas e gritantes assimetrias, onde o fosso entre os mais ricos e os mais pobres é cada vez maior e mais vergonhoso, similar ao que se vê aqui em Angola ou no Brasil.
A teimosia em manter o modelo centralista, inchando Lisboa e depauperando as restantes regiões com relevo para o pobre Norte, caucionado por muita gente desse pobre e miserável norte de Portugal, mais estranho é e mais perigoso se torna para o futuro. O QREN é disso prova. Portugal está na cauda da Europa e, como uma vertigem, desliza para um fundo de retorno difícil ante a falta de visão do nosso governo, autoritário, autista, ignorante e arrogante, algumas vezes a roçar a boçalidade.
Pior que tudo é que a oposição é pífia e desengonçada. Pobre país sem futuro e sem visão estratégica. Espero que sejam os privados a salvar a honra do convento, honrando a ousadia dos nossos antepassados corajosos e que não esqueçam, jamais, que trabalhar em e para Angola só pode ser entendido como algo muito sério, para um povo que merece o nosso melhor.
professor do IPV , membro do Clube e frequente no blogue