24/03/2007

Norte: que futuro?





Ricardo Arroja


Há uns dias atrás tive o privilégio de ser convidado pelo “Clube dos Pensadores” (www.clubedospensadores.blogspot.com) para debater a situação económica da região Norte em Portugal. O debate, organizado de forma meticulosa pelo Dr. Joaquim Jorge, biólogo e fundador do clube, reuniu um painel de convidados do universo político ao mundo empresarial. Na assistência, a sociedade civil, que após as intervenções dos oradores, controladas ao cronómetro, teve a oportunidade de intervir, questionar e, ela própria, debater a economia nortenha. Este artigo trata o essencial da minha apresentação cuja conclusão foi a seguinte: o presente modelo de organização territorial do país não serve os interesses da generalidade das regiões portuguesas, em particular os do Norte.

A região Norte está em recessão há vários anos, o que se traduz também num crescente distanciamento económico face à Europa. O PIB per capita da região Norte é de 59% da média europeia. No extremo oposto, a região de Lisboa (Grande Lisboa e Península de Setúbal), a mais rica de Portugal, possui um PIB per capita de 106% da média europeia. Na Europa dos 15 (antes do alargamento ao leste europeu), só existem duas regiões mais pobres que o Norte: a Dytiki Ellada (55% da média europeia) na Grécia e a Guiana Francesa (54% da média europeia). Apesar de tudo, há uma grande diferença: é que o PIB per capita médio na Grécia e em França é, em ambos os casos, maior que o português. Na Grécia, o PIB per capita representa 85% da média europeia. Em França, 112%. Em Portugal, apenas 75% da média europeia.

A discussão destas assimetrias regionais é relevante. Especialmente, quando se avizinham importantes decisões na definição e distribuição dos novos quadros de apoio comunitário – o chamado QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional – http://www.qren.pt/). Até 2013, Portugal deverá receber, a fundo perdido, mais de 21 mil milhões de euros. Equivale a dizer, que a União Europeia injectará em Portugal até 2013 mais de 2% do nosso PIB ao ano. É um montante muito elevado que importa não desperdiçar. O QREN será composto por três tipos de programas operacionais divididos da seguinte forma: a) sete regionais (Norte, Centro, Lisboa, Alentejo, Algarve, Açores e Madeira) que representam no total 7 mil milhões de euros distribuídos a nível regional; b) três temáticos (Valorização Patrimonial, Factores de Competitividade e Potencial Humano), no total, 14 mil milhões de euros distribuídos a nível nacional e; c) um de assistência técnica, avaliado em 86 milhões de euros.

O programa operacional Norte consagra quatro áreas económicas emergentes que constituirão o destino prioritário dos subsídios de Bruxelas: a) Maquinaria Eléctrica; b) Serviços de Saúde e Indústria Farmacêutica; c) Biotecnologia e Indústria Agro-Alimentar e; d) Produção Cultural e Entretenimento. Entre os programas operacionais regionais, o do Norte receberá perto de 3 mil milhões de euros em subsídios do FEDER que correspondem a 64% do investimento total previsto para a região. Trata-se da maior parcela entre os subsídios regionais, que vai para a região mais debilitada de todo o país – nada a opor. Contudo, há um problema sério na distribuição dos financiamentos atribuídos aos programas operacionais temáticos – 14 mil milhões de euros (duas vezes o montante reunido para as regiões) e que serão controlados a nível central. Na proposta do QREN, o destino destes 14 mil milhões de euros está definido de forma clara: zonas urbanas do litoral compreendidas entre Setúbal e Viana do Castelo, Empresas de Média e Grande Dimensão, e Administração Pública Central.

Porém, a realidade portuguesa é a seguinte: a) o tecido empresarial é composto essencialmente por pequenas e médias empresas que empregam 75% dos funcionários do sector privado – as grandes empresas estão em minoria; b) a Administração Pública (os célebres 750.000 funcionários) representa apenas 15% da população activa portuguesa. Ou seja, os programas operacionais temáticos – que incluem a OTA, o TGV e a linha ferroviária entre Sines e Elvas – apenas tenderão a beneficiar directamente cerca de 36% da população activa portuguesa (17% da população total do país). Tenho a convicção de que, entre outros factores, o nosso sistema de organização territorial contribui para esta má distribuição e para o afunilamento do país. De resto, não é preciso inventar a roda – basta olhar o que à nossa volta se faz. E o que se vê, é que na Europa dos 15, com excepção da Grécia, nenhum outro país membro partilha o nosso modelo de organização territorial centralizado. E não estão piores que nós. Pelo contrário – estão todos bem melhores.


Analista financeiro e membro do clube

artigo publicado em 23/03/2007 na Vida Económica