13/10/2006

GOVERNO de SÓCRATES



por Joaquim Jorge
2006-10-13

Eu não aceito que sejam sempre os mesmos a pagar a factura. Se estamos assim tão mal, por que é que o nosso primeiro-ministro José Sócrates não reduz o seu salário?



Este Governo tem seguido uma política de corte nos gastos públicos sem precedentes. Não nos podemos esquecer que essa política é imposta pela União Europeia.
A despesa tem que diminuir, porém esta fobia do défice com prazos apertados faz com que as pessoas sejam vítimas dessas políticas sufocantes e castrantes. De repente, pelo que me tenho apercebido, o dogmatismo instalou-se e não há outro caminho. Eu penso que poder-se-ia seguir este aperto tão brusco e violento de uma feição mais suave e faseada no tempo, mas o calendário eleitoral mais uma vez é que prevalece e 2009 é já amanhã.
Eu não aceito que sejam sempre os mesmos a pagar a factura. Se estamos assim tão mal, por que é que o nosso primeiro-ministro José Sócrates não reduz o seu salário? Como fez e muito bem o novo chefe do governo japonês, Shinzo Abe (cortou em 30% o seu salário e em 10% os dos seus ministros). Isto é que era uma política de prática e de exemplo. Porque mandar os outros poupar e pedir sacrifícios, nem que seja em nome do Estado, tendo em conta o saneamento das contas públicas, é dócil, admissível, inteligível, evidente e digno, que serviria como modelo para os restantes funcionários públicos, sendo actualmente o primeiro funcionário público (o Presidente da República não tem acção governativa, está noutro patamar). Porém, não é isso que acontece e não vejo o Governo a mandar pessoal embora dos ministérios governamentais adstritos em Lisboa.
A gestão de rigor e o desperdício de recursos nas grandes empresas públicas, com redução do número de administradores e de benefícios (salários, prémios, carro e cartão de crédito) não se praticam. Deve começar-se por cima, numa cultura de exemplo, quem paga sempre com o devido respeito por essas profissões é o porteiro e a mulher da limpeza. Estou de acordo que é necessário encetar reformas em amplos sectores da nossa sociedade, manietada por vícios-avatares e que se opere uma verdadeira palingenesia. Porém, reformas profundas não é tirar regalias àqueles que menos têm, e apertar cada vez mais o cinto, aos que menos podem. É o que tem acontecido?! Estamos a falar de pessoas que têm compromissos, contas para pagar, filhos para educar, família para alimentar, projectos de vida feitos com muito denodo e dignidade. A resolução do défice público é uma questão que diz respeito a todos: governantes, funcionários do Estado, patrões, empregados, jovens, idosos e instituições. Só com o respeito, o reconhecimento e o apoio de toda a sociedade será possível cumprir tal desiderato. Mas o que eu vejo é uma sociedade suprimida e dissociada das medidas do Governo mormente todas as sondagens favoráveis. Os portugueses estarão acabrunhados e medrosos? Não gostam de democracia? Não têm cultura de liberdade? Pouco tempo de democracia? Não têm cultura de indignação?
Uma coisa eu sei, dentro em breve o problema que se põe à nossa sociedade é a clivagem entre empregados e desempregados. Os bancos e as grandes empresas apregoam aos quatro ventos que nunca tiveram tantos lucros. A classe média está a desaparecer lentamente. Os sinais de insatisfação começam a ser objecto de notícia em Guimarães e na Madeira. Não me venham com orquestrações e manipulações políticas, aquela gente é sofrida e prestou-se àquele papel terrível de dizer das injustiças praticadas. Em Portugal existem bolsas de fome a alastrar na nossa sociedade, mas não são conhecidas única e exclusivamente por vergonha das pessoas afectadas.
Que moral tem um político para exigir sacrifícios, se não a exercita e não a abona. A cidadania só tem a possibilidade de votar de quatro em quatro anos. Tendo em conta o estado das contas públicas que, segundo o Governo, desconhecia, deveria ser permitido aos portugueses ponderar vários caminhos a seguir na resolução deste problema, por exemplo, de uma forma drástica como está a ser feito, progressiva ou lenta.
A grandeza não está em procurarmos suprimir os conflitos e desacordos, mas sim na capacidade de lidar com eles, fazendo valer os poderes mediadores do diálogo e argumentação. Os eleitores estão cansados dos guardiões das virtudes, não acreditam em nada, nem em ninguém, votam sem ilusões e no mal menor, sendo a política septicémia.



artigo publicado no jornal Semanário