Matosinhos
Falou quem sabe de Poder Local
Tal como diz o “compromisso” do Clube de Pensadores, este “é um clube, cuja génese da sua criação, tem por finalidade a liberdade de expressão e pensamento, estando aberto às pessoas que gostam de agir livremente sem impedimentos, somente manietados pela sua consciência. Baseia-se, no princípio que todos os cidadãos tem, a garantia de não serem impedidos de exercer o direito de opinar, participar, sem coerção ou qualquer tipo de constrangimento partidário.
”Ora, o Clube de Pensadores tem tido o seu “ninho” de discussão no Hotel Egatur, na cidade da Maia, e tem como principal impulsionador o biólogo dr. Joaquim Jorge.
Naquele espaço já marcou presença o jornalista e ex-deputado Vicente Jorge Silva, que dissertou sobre “A Comunicação Social e os Políticos”; o presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia, dr. Luís Filipe Menezes sobre “Regionalização ou Descentralização”; em 7 de Junho será a vez do jornalista e director-adjunto do jornal “Público”, Nuno Pacheco, intervir sobre o tema “Jornalismo, Responsabilidade e Censura”.
Na noite da passada quarta-feira foi Narciso Miranda, ex-presidente da Câmara Municipal de Matosinhos que enfrentou a agradável presença humana da plateia sobre “O Poder Local e o seu Futuro”. Também presentes os drs. Luísa Salgueiro, deputada na Assembleia da República e vereadora da Câmara de Matosinhos, e Miguel Leão, médico e antigo presidente da Conselho Regional – Norte dos Médicos.
São ainda convidados permanentes os drs. Joana Felício, vereadora da Câmara de Matosinhos, e Paulo Cutileiro, advogado e ex-vereador da Câmara Municipal do Porto.
O “motor” do Clube dos Pensadores, dr. Joaquim Jorge, deu início ao serão da semana passada, fazendo o elogio de Narciso Miranda como cidadão e político, chamando a atenção para o peso do tema a tratar: o Poder Local e o seu futuro.
Chamou a atenção para a necessidade de, cada vez mais, se fazer cidadania, assumindo-se o sentido da responsabilidade, um sentimento de que tanto está carenciada a região do Porto, grande espaço nacional que, segundo ele, nos últimos três a quatro anos perdeu cada vez mais presença no todo nacional, cedendo a capacidade reivindicativa a outros centros, sendo até incapaz de gerar debate.Narciso Miranda tomaria então depois o leme do debate, subscreveria a intervenção do moderador, fez o elogio dos desígnios do Clube dos Pensadores, “cada vez mais necessários”, e começou a sua longa caminha sobre a realidade do Poder Local.
Deixaria claro que os autarcas eleitos, pela primeira vez, democraticamente, em 1976, tiveram de enfrentar um imobilismo de quase meio século, tendo a sua primeira acção o investimento nas infra-estruturas básicas.
Depois tem sido um longo caminhar de trabalho e de aprendizagem. É apologista da partilha das autarquias nos projectos de desenvolvimento, um desenvolvimento integrado que ultrapasse até os limites concelhios, aliás o que está certo já está a acontecer com os políticos da terceira geração.
Fez o elogio da sensibilidade e saber dos autarcas que, tal como dizia o prof. Valente de Oliveira, quando ministro, “fazem render mais um escudo do que a Administração Central”.
Narciso defende, com veemência, não só a divisão administrativa como a alteração da lei eleitoral também para as autarquias. Apoio as duas Regiões Autónomas, cinco Regiões Administrativas e duas Áreas Metropolitanas (Porto e Lisboa), aliás, segundo ele, muito perto do projecto de Fernando Relvas.
No que concerne às autarquias, Narciso Miranda defende os elencos executivos homogéneos, de menor dimensão, homogeneidade que será trazida da eleição do presidente que escolherá o seu elenco, não servindo-se dos deputados municipais, mas sim de cidadãos da sua confiança e competência. Por seu turno, a Assembleia Municipal terá de ter uma nova força, embora também reduzida no seu número, sem a presença dos Presidentes das Juntas de Freguesia, com leis bem definidas quanto à fiscalização do Executivo, devendo reunir, pelo menos, uma vez cada mês e não ordinariamente quatro vezes por ano. Deixaria claro que as Assembleias Municipais devem possuir capacidade financeira para a sua função.
Quanto ao número de vereadores, dado o excesso de autarcas, apesar de somente cerca de 10% dos mesmos serem remunerados, só Lisboa e Porto é que poderão manter o número actual, mas os municípios com mais de 100 eleitores poderiam ficar pelos sete, a seguir pelos cinco e, por último, os mais pequenos, pelos três executivos.
Ao propor o afastamento dos presidentes de Junta de Freguesia das Assembleias Municipais, Narciso propõe que terá de haver para estas autarquias uma delimitação de competências e de capacidade financeira, quando não, como actualmente, as competências são divididas a meio entre Câmara e Junta de Freguesia. A hierarquia, de acordo com as palavras do ex-presidente da Câmara de Matosinhos deverá ser: Administração Central, Regiões, Áreas Metropolitanas, Associações de Municípios, Municípios e Juntas de Freguesia.
A terminar a sua primeira intervenção, Narciso Miranda chamaria a atenção para a necessidade urgente duma Lei de Finanças Locais mais arrojada, com novos parâmetros de financiamento.“Discussões isotéricas”O dr. Miguel Leão que, tal como afirmou, também foi, embora por pouco tempo, deputado municipal, falou no número existente de 43.480 autarcas e fez eco das “discussões isotéricas” a que teve oportunidade de assistir. Questiona a existência das Juntas de Freguesia, bem como a intermitência existente entre a decisão de fazer e a realidade no executar, o que, segundo ele, não abona a presença do trabalho dos eleitos, muito embora haja excepções e exemplares.Interveio de novo o dr. Joaquim Jorge que, bem documentado em apontamentos e registos, fez a história nacional de administração, desde o aparecimento das Paróquias, Comarcas, até aos nossos dias, passando pelo Municipalismo de Mousinho da Silveira.
Deu a conhecer a existência de 4.259 freguesias, 308 concelhos, 34.562 autarcas nas Assembleias de Freguesia e 6.684 nas Assembleias Municipais, chamando o exemplo do município de Barcelos com as suas 89 freguesias e que tem, por isso, a necessidade de possuir uma Assembleia com cerca de duas centenas de participantes.
Joaquim Jorge deixou ainda mais uma achega alertando para o caciquismo local e regional e chamou a atenção para a existência de munícipios com 80 mil habitantes e só metade de eleitores, pois os cidadãos não são respeitadores da necessidade de transferência da sua qualidade na eleição dos seus representantes.
A drª. Luísa Salgueiro falou da sua experiência política, sobretudo como autarca, apelando para que se proceda, com urgência à nova legislação eleitoral, aliás na qual está muito empenhada como deputada que é na Assembleia da República.
Da parte do público também surgiram alguns motivos para discussão e uma das assistentes colocou a sua dificuldade em acreditar que se possa fazer a regionalização quando o Porto e o Norte tanto perderam já em relação a Lisboa. Recordou, ainda, que o Poder Local só teve trabalho de relevo quando nos entrou “cá em casa” o dinheiro vindo de Bruxelas. Exibiria, igualmente, a sua tristeza pela ausência de cidadania, com os cidadãos acantonados, sem poderem intervir, maleita que poderá ser curada com o aparecimento de grupos de reflexão como o Clube de Pensadores, embora se saiba que “os políticos não estão muito interessados na cidadania”.
Outras pessoas se referiram à realidade do Poder Local e a realidade do Metro do Porto é prova disso e que a Administração Central já pretende levar para sua dependência, foram acrescentados alguns dados, números e propostas para que o trabalho dos autarcas seja cada vez mais compreendido e dignificado, tendo um dos intervenientes interpelado até Narciso Miranda se “não terá sido também uma das vítimas dos políticos de Lisboa”.
Narciso responderia então depois aos vários intervenientes, recordou que vêm aí as candidaturas independentes e que nas próximas eleições o número será ainda muito maior, dada a transparência do financiamento das mesmas, através da nova lei, e crê em tal porque os partidos políticos estão cada vez mais fechados, dando por isso oportunidade a que os cidadãos se congreguem em núcleos eleitorais, bem envolvidos em planos de cidadania e não de conveniência partidária.
Já passava da meia-noite quando o debate terminou, tendo durante mais de duas horas, sempre com interesse, não só pela valia dos intervenientes, mas pela forma como o dr. Joaquim Jorge coordenou os trabalhos, o que nem sempre acontece em acções desta natureza.
Por: Joaquim Queirós
