08/03/2019

O dia da mulher está a chegar




Manuela Vaz Velho*
Mais inúmeras notícias sobre violência doméstica e, sobretudo, assassinatos. Oito durante o mês de janeiro! Até quando num país democrático, numa europa civilizada vamos aguentar isto. Não é só machismo, é misoginia e, sobretudo, crime que deve ser fortemente punido.
Mas não vou escrever sobre violência doméstica, vou partilhar alguns factos e opiniões sobre outras formas menos violentas da misoginia.

Há anos que me sinto uma mulher livre. Em família até costumo dizer que sou “muito homem”, no sentido que realizo tarefas domésticas de bricolage, atividades agrícolas e obras de reconstrução. A bricolage, desde a cirurgia à miopia (que correu mal), foi prejudicada porque não ver bem ao perto retira a capacidade de minúcia para operações de mudança de tomadas, instalação de candeeiros e outras tarefas que praticava com gosto e afinco antes disso.

Também sou “muito homem” porque nunca me arvorei de falsos pudores ou tentei apagar os muitos namorados que tive, tal como qualquer homem faz. A diferença é que os homens que tiveram muitas namoradas não são apontados pela moral vigente e não necessitam de falsos pudores, pelo contrário, muitas vezes até os exibem como troféus. Mas nas mulheres “não parece bem”, diz o vulgo, e muitas mulheres tendem a esconder as suas atividades sexuais e parceiros evitando o risco de serem intituladas com um dos habituais epítetos do léxico português. E isto é misoginia.

E quando a ciência fala e de certa forma desculpa a agressividade dos homens com a famosa testosterona é demasiado para ouvir, enquanto mulher e cientista, na conversa na Antena 3 há uns dias trás. Ficamos a pensar “Coitados eles não têm culpa, são as hormonas.
Também ouvi coisas do tipo “eles ficam retraídos se se disser durante o sexo aonde devem colocar os seus dedos, boca, etc.. A melhor maneira “para a relação sexual melhorar é dizer-lhes da vez em que o fizeram bem que foi ótimo e assim eles percebem e da próxima voltam a acertar”. Ouvir estas coisa num programa de rádio com psicólogos e sexólogos é surreal. Desculpo-os enquanto terapeutas porque de facto o seu objetivo é manter a estabilidade da relação do casal que os procura e no espaço do seu consultório não têm que ser educadores ou moralistas. Mas esta transmissão via rádio chega a todos os ouvintes que não fazem parte da sua clientela profissional. E não tentarem explicar o porquê de tudo isto não é aceitável.

Mas estes métodos sugeridos não se adequam a jovens, homens e mulheres livres do século XXI, que deviam falar de tudo livremente e, representam, mais uma vez, atos de submissão da mulher que, para não causar ondas, tem que usar subterfúgios para o parceiro perceber o que lhe dá prazer.
Faz-me lembrar a questão da infertilidade. Diz o médico na primeira consulta, num aparte, mesmo quando se desconfia que a infertilidade se deve ao homem, que as mulheres devem esconder esse facto porque é inibidor e pode prejudicar a relação sexual normal e, depois das análises concludentes realizadas e de se verificar que é mesmo responsabilidade do homem, devem omitir porque é inibidor e pode inviabilizar a recolha do sémen por masturbação.

Claro que os médicos não têm culpa. Eles conhecem a realidade e fazem os possíveis para que a fertilização in-vitro tenha sucesso. É mesmo assim, mas tudo isto revela o quão profundo é o machismo que faz claudicar uma atividade corriqueira na vida de um homem quando a sua fertilidade está em causa porque, erroneamente, a associam à virilidade.
E, claro, a famosa inteligência emocional ainda acentua mais as coisas. Numa empresa/ instituição, aceito que seja um instrumento precioso de trabalho em equipa e da gestão das organizações, mas em relações de casal, uma equipa de dois, a inteligência emocional serve para desculpar séculos de machismo e de submissão ao eu masculino e pode confundir-se com algo pouco aceitável a que chamamos manipulação afetiva. E não é de facto aceitável aceitar nos nossos dias ter que usar essas competências (subterfúgios) para conseguir ter uma vida afetiva e de partilha neste empreendimento a dois.

O que é normal e aceitável na sedução inicial, homens e mulheres usarem de “artifícios” para atrair o parceiro, não é aceitável numa relação mais longa de amor e de parceria na vida. Manter a “chama viva” não é esconder o eu nem enganar o outro, mas conhecer o que lhe agrada, e usar esse conhecimento no eterno jogo amoroso. E conversar, claro.

*Professora Coordenadora IPVC/Engenharia Alimentar