Miguel Mota |
Eu cada vez fico mais
perplexo em relação às ideias políticas dos portugueses e, particularmente, dos
mais ilustres politólogos. Não sou especialista de ciência política e, perante a
discordância com as ideias generalizadas, tudo indicaria que quem está errado
sou eu.
Acontece que, apenas com o que é cultura geral e o que vi e sei dos
sistemas políticos em alguns países, não posso deixar de concluir que os outros
têm conceitos diferentes dos meus, principalmente do que é democracia e do que
significam, em política, as designações de “esquerda” e “direita”.
A democracia é o
sistema em que o poder reside nos cidadãos e não numa ou num reduzido número de
pessoas, que é a característica das ditaduras. Se sou um dos detentores do
poder, tenho o direito de o delegar em quem o deseje ou de me candidatar a
exercê-lo, se quiser e sem ter, para isso, de criar um partido.
De um artigo anterior,
transcrevo:
“Como é sabido,
esses termos “esquerda” e “direita” nasceram na Assembleia Nacional, em Paris,
em 1789, no tempo da Revolução Francesa. Em termos modernos, podemos dizer que são acções de esquerda as
nacionalizações, a redução do leque salarial (na extrema esquerda os salários
seriam todos iguais), saúde, educação e protecção na velhice como encargos do
estado, predomínio do trabalho sobre o capital (na extrema esquerda não pode
haver capital privado), impostos altamente progressivos, em que quem tem mais
paga proporcionalmente mais e quem tem muito mais paga proporcionalmente muito
mais, etc. etc. etc. Por oposição, são
de direita as privatizações, um grande leque salarial (desde salários de
miséria a salários muito altos), saúde, educação e protecção na velhice como
negócios privados, predomínio do capital sobre o trabalho, impostos pouco
progressivos ou, até, todos a pagarem a mesma percentagem, etc. etc. etc.”
Logo após o 25 de Abril, os
partidos tinham os seus nomes razoavelmente de acordo com a sua prática. Mas
isso mudou cedo. Quando Mário Soares, na sua viragem, deixou de aparecer na
rua, de punho erguido, a gritar “Partido Socialista, um partido marxista!” e
confessou que tinha metido o socialismo na gaveta, já o partido tinha deixado
de ser socialista e de esquerda. Com Guterres quase toda a governação foi de
direita e com Sócrates o PS entrou na extrema direita, extinguindo Centros de
Saúde, Maternidades e vários outros serviços públicos, para obrigar a pagar a
privados. Além disso fez contratos extremamente ruinosos para o estado e em
favor de bancos e outros grandes interesses, fazendo subir a dívida pública,
que se mantinha abaixo dos 60% do PIB, para 94% do PIB, assim colocando nos
actuais e futuros cidadãos uma enorme carga. E Passos Coelho, eleito pelos que
acreditaram que ele iria começar a corrigir tais desmandos, fez mais do mesmo.
Apesar de colocar nos cidadãos, especialmente a classe média, uma austeridade
brutal, levou a dívida pública a 130% do PIB. E esse dinheiro não foi para os
bolsos de funcionários e pensionistas, nem para melhorar os serviços públicos,
alvos de cortes brutais.
Mas os portugueses, que só podem
votar em “novos” governantes entre os que a meia dúzia de ditadores lhes dá
licença de escolher e pela ordem que eles determinaram, consideram o sistema
“democracia”. E chamam ao PS “de esquerda”.