Conhecem
aquele tipo de beatas ou ratas de sacristia, essas matronas que se apoderam
das igrejas católicas, mudam as dálias do altar, barricam o acesso aos padres
e lhes engomam os paramentos em êxtases ambíguos, destratando os humildes e
adiantando-se nas naves para serem as primeiras a comungar, de olhos em alvo
e estendendo, papudas, as mãos à hóstia? Essas, precisamente! E sabem por que
motivo me enervam mais do que qualquer pecador cristão? É simples: porque não
pecam na casa delas, mas na de Jesus.
Ora
bem. É seguindo a mesma lógica que certos socialistas me revoltam mais do que
qualquer burguesia exploradora, pelas mentiras, falcatruas e conspiratas que
fazem, servindo-se dos clichês humanistas para depois se borrifarem nos
pobres, aburguesando-se num crescendo assustador e apoderando-se, um a um, de
todos os confortos dos ricos ou do que entendem por «alta sociedade»: o
carrito de luxo, a casita com piscina, a contita na Suiça - tudo ambições
humanas, mas anãs.
Ao
contrário, a Direita, sendo egoísta, comodista, diletante, individualista -
tudo o que quiserem, reconheço - ao menos não mistifica as suas prioridades!
Em
suma: não há partidos, há pessoas, e a ambição é comum às duas margens, já o
sabemos. Mas a de alguns socialistas é tão execravelmente hipócrita que acaba
por enojar quem, como eu, neta de salazaristas, foi tão pronto a entender a
bênção da democracia que chegou a dar-lhes, penitente e escrupuloso, o
benefício da dúvida.
O
exemplo começou com o mais emblemático dos paladinos da liberdade e da
justiça: El Rei Dom Mário Soares e os seus sucessivos citroëns de luxo,
personalizados como um monograma, os tailleurs Chanel da Maria Barroso, talhados no
Ayer, e as suas casinhas na cidade, serra e praia, para se aquecerem ou
refrescarem consoante as estações do ano - e, finalmente, até uma Fundação
para se distraírem na reforma; décadas depois, a coisa refinou: temos o
Sócrates a vestir-se por estilistas da Rodeo Drive de Los Angeles, a
ministrada anti-fascista a rolar em séries 5, e os quadros estratégicos das
empresas públicas a ganharem salários que nem os banqueiros ganham - mete
nojo!
(Atenção:
escreve-vos a sobrinha de um Director Geral do Turismo *, casado e com cinco
filhos, de rendimento modestíssimo, que, em Abril de 74, foi enjaulado em
Caxias como um vulgar delinquente por alegado crime de peculato, por gastar -
segundo a grelha da (in)Justiça Revolucionária - «demasiada água do Luso»!
Miseráveis: não lhe arranjaram mais nada! E agora digam-me: visitar um tio na
prisão por servir garrafas de água, nas funções representativas que ocupava,
e ter de encará-lo atrás das grades prostrado pela desonra, para agora ver
esta maltosa arrivista em lugares-chave, alguns deles profundamente
desconhecedores de maneiras ou protocolo, a jantarem no Eleven e a regarem-se
a Chivas?)
Palavra
de honra: antes os políticos comunistas e bloquistas – autistas no seu
radicalismo anacrónico e obviamente perigosos num cenário de poder – mas,
apesar de tudo, com outra face, outra decência, outra coerência doutrinária!
E
digo-vos mais: nem deveria ser gente como eu, apenas crítica ou sangrando
sobre os escombros de uma pátria pilhada e
demolida, a revoltar-se, mas os próprios socialistas, honestos e convictos da
consistência da sua ideologia, a demarcarem-se, exigindo o afastamento de
quem tão gravemente os embaraça, compromete e, por associação, os arrasta
para este lodo de troça e de descrédito!
E
só digo mais isto: coitados dos militares de Abril, analfabetos, que
alinharam: foram usados! Cravos, sim, mas para pregarem nas mãos desses!
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Engº Álvaro José Ferreira Roquette, meu tio adorado que partiu sem rancores
Rita Ferro
*texto enviado por Hercília Oliveira
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