Miguel Mota |
Com
este título, "A saga das avaliações", publiquei em 2005 um artigo em
que descrevi o que se tinha passado com duas avaliações, com um intervalo de
dez anos, feitas à mesma instituição de investigação científica. A questão das
avaliações voltou agora, agravada e, como as outras, com intuitos que diríamos
inconfessáveis.
Do
artigo citado, transcrevo:
“Em 1986, com um governo PSD, foi mandado avaliar um desses
laboratórios. O relatório foi arrasador e identificou uma série de males,
praticamente todos da responsabilidade do mais alto nível, nomeadamente o
governo. Nada foi corrigido e vários males agravados.
Dez anos depois, em 1996, com um governo PS, foi o mesmo laboratório avaliado
e da comissão avaliadora faziam parte alguns elementos da anterior, um deles
estrangeiro. O relatório foi novamente arrasador, encontrando agravados muitos
dos males elementares já anteriormente denunciados, da responsabilidade do
governo, assim colocando em muito má posição os governantes responsáveis. E com
isto se gastou dinheiro, que não deve ter sido pouco e que bem podia ser usado para
colmatar as deficiências que tanto entravam o trabalho.
*
Qualquer avaliação, para ser correcta, não pode ignorar os meios de
trabalho (normalmente verbas...) postos à disposição dos investigadores. Já em
tempos propus a criação de um “coeficiente” de forma que, ao avaliar uma
instituição, um departamento ou um investigador, se entre em linha de conta com
o dinheiro de que ele pôde dispor. É óbvio que, se ao longo de cinco, dez ou
vinte anos pôde dispor de abundantes meios de trabalho, tem obrigação de ter
produzido muito mais do que aqueles que viveram com imensas limitações. Claro
que ter cientistas, que já deram provas de serem capazes de produzir boa
ciência, a trabalhar em condições de penúria é um dos mais elementares erros de
gestão de ciência. E esses casos abundam no nosso Pais.
São erros tão primários que é ridículo mandar “avaliar” e,
particularmente, por estrangeiros. Provavelmente irão para os seus países dizer
quão primitivos são os governantes que precisam de pedir a estrangeiros para lá
irem avaliar esses casos, que eles não são capazes de detectar e corrigir. E
digo os dirigentes porque, nos seus contactos com os cientistas portugueses,
eles bem se aperceberam que, a par de uns quantos incapazes, por vezes em
posições de mando, encontraram cientistas perfeitamente qualificados que só não
produziam mais ciência pelas deficientes condições em que eram obrigados a
trabalhar.”
No
caso mais recente, os maus objectivos parecem ser descaradamente evidentes. Se,
em 1986 e 1996 se procurou saber o que estava mal, agora tudo indica que apenas
se desejou saber "se estava mal " para, esquecendo as suas obrigações
e responsabilidades, apresentar isso como um excelente – na realidade, falso – motivo para lhe reduzir mais as já diminutas verbas,
em muitos casos a causa da baixa produção de ciência.
Lembro
que, quando algum organismo estatal não funciona bem, o ministro da pasta
(agora é costume dizer "da tutela") é responsável e cabe-lhe a tarefa
de o pôr a funcionar bem, pois essa é a sua função. Também é responsável o
primeiro-ministro, como chefe de todo o governo.
O que qualquer
cidadão pode concluir do que se passou é que o governo não manda fazer estas
avaliações para corrigir o que está mal, mas apenas para ter um pretexto para
cortar mais em serviços públicos – e
certamente não nas reais "gorduras" do estado, como já neste jornal
assinalei – não cumprindo as funções que são a razão da sua existência. Um
governo que ignora que, sem investigação científica, um país está condenado a estagnar,
é um governo que não serve.