27/04/2014

Quinta de Miramar



Fernanda Vicente
Vivo na Quinta de Miramar com o meu filho num quinto andar. Todos me vêem, todos me ouvem, todos me conhecem, me vigiam e falam de mim, mas não se aproximam Sento-me na varanda, várias vezes ao dia a fumar, a comer, a observar os prédios à minha volta, a ouvir os cães, os comentários das pessoas que circulam por estas ruas e até as que falam da Rua Diogo Botelho e das torres da Pasteleira. Ouço música altíssimo, danço, por vezes fico deprimida ao ver que os últimos três anos da minha vida foram uma autêntica tragédia e que perdi cerca de 50 000 euros numa venda que arrastou por mais de um ano. Ergo-me e tento reagir. Sou boa dona de casa e tento embelezar um apartamento, cujo senhorio, o alemão Johannes Ruckert desapareceu, não atende os meus telefonemas, não responde aos meus emails nem às minhas mensagens. Por vezes aparecem gaivotas no meu beiral, dou-lhes de comer, até baptizei uma de Laila e outra de Pico Pico, inspirada num livro que costumava ler às crianças que ensinava.
Todos conhecem os meus segredos, pois o apartamento foi assaltado e os documentos fotocopiados. Homens ricos e poderosos me rodeiam, aqui e em qualquer lugar, mas não interagem comigo. Vivo numa solidão imensa. O meu filho não conversa comigo, dissocia-se da minha vida e passa a vida no quarto, virado para as torres da Pasteleira. Quase não come, dorme 10 horas com tampões nos ouvidos, entretem-se a estudar Direito na Portucalense, nunca teve uma namorada e tem quase 23 anos, os amigos, se existem, não lhe telefonam. Só sai de casa para nadar nas piscinas do Fluvial sozinho ou para frequentar as aulas. Não se apercebe do mundo que o rodeia e sofre com um miserável processo criminal, no qual Maria do Rosário Barreiro Alves e Maria Lucília Simões Fernandes Vaz o acusam de ser um criminoso por, alegadamente ter provocado danos patrimoniais não documentados numa cadeira de madeira de esplanada e num guarda-sol que nunca vi colocados, abusivamente no espaço comum por baixo de oito apartamentos na Rua de São João Bosco.

Vendi por 107 000 euros um apartamento que me custou 150 000 euros. Perdi toda a herança que o meu pai me deixou, mais as poupanças de uma vida de 35 anos como professora.
Um senhor forreta ofereceu à vendedora imobiliária Deolinda da Prestige House 125 000 euros. Penso que foi o empresário Belmiro de Azevedo. Vim morar para perto dele e acho que o encontrei junto do prédio onde ele mora. Fiquei estupefacta e , humildemente, segui o meu caminho em direcção ao cabeleireiro. Nunca mais o encontrei, mas tenho a certeza que ele me conhece, me vê e nunca, nunca de mim mais se aproximou . Tudo faço para o conhecer, mas ainda não consegui. Penso nele quase todos os dias, li a sua biografia, sigo as suas declarações na Internet. Todos os moradores da Quinta de Miramar o conhecem e se conhecem uns aos outros. Isolaram-me neste 5º andar e fazem testes para detectar as minhas reacções. O meu filho é protegido de todos os comentários. Quando dorme ou estuda, o silêncio é total e até promovido na Portucalense. Eu quase não consigo dormir e por vezes fico com deformações no rosto, manchas vermelhas, embora não tenha alergia a nada.
Vivo isolada, decepcionada com o meu filho, os moradores da Quinta de Miramar e intrigada sobre a personagem que um dia se cruzou comigo junto do prédio do Belmiro de Azevedo quando uma senhora gritava de uma varanda "Agora dá-lhe um computador". De facto, o meu computador foi desformatado na Chip 7, paguei 50 euros, reclamei e nada consegui, pois ele continua com duplicação de ficheiros e totalmente desorganizado.
Preciso de saber o que se passa nesta Quinta de Miramar, na cidade do Porto para arranjar um projecto de vida, já que fui aposentada e as minhas amigas e familiares ignoram-me.