Miguel Mota |
Em
2011, com o governo de coligação PSD-CDS, entrou em funções uma nova equipa
ministerial na Agricultura. Não conhecia pessoalmente nenhum dos seus membros
e, apenas de nome, o Eng.º Campelo. (Tive com ele uma longa conversa em
princípios de 2012).
A
ministra, uma jovem formada em Direito, era uma incógnita. Mas, além de travar
a destruição que vinha sendo feita, mostrou, nalgumas aparições na TV e,
principalmente, num Prós e Contras, uma determinação e uma informação que foram
uma agradável surpresa. Nasceu a esperança de a Agricultura ter encontrado
alguém com a capacidade para a transformar de forma a contribuir, mais do que até
então, para a economia nacional. Um bom encorajamento dado aos jovens
agricultores, teve resultados muito positivos. Assim os jovens que agora se
instalaram tenham a preparação técnica suficiente para bem gerirem a
complexidade das empresas agrícolas.
Revertendo
os antigos rumores de que a agricultura não tinha futuro em Portugal, passaram
a ouvir-se, de todos os lados – até, recentemente, do Presidente da República –
os maiores elogios à importância da Agricultura.
Tudo
isso bastou para que a produção agrícola aumentasse e o PAB (Produto Agrícola
Bruto) entrou a subir, enquanto o resto da economia portuguesa estava a descer.
Infelizmente,
alguns casos e sintomas recentes não seguiram o rumo que considero essencial
para um progresso maior e sustentável da nossa agricultura. A investigação
agronómica e a extensão rural, as alavancas fundamentais para o referido
progresso, não foram consideradas. Numerosas nomeações de chefias por critérios
de militância partidária e não de competência, comprometem o futuro de todos esses
organismos. A extinção de serviços públicos essenciais, na senda de Sócrates,
bem continuada por Passos Coelho, é outro sintoma grave. Tem razão Nicolau
Santos quando diz que “este governo odeia tudo o que cheire a estado”. A fúria
das privatizações – a tal privataria – até de sectores que os países
declaradamente capitalistas não abdicam, agravam esse comprometimento e fazem
pensar num futuro negro para o que chegou a ser uma esperança de grande
melhoria para a pobre economia nacional.
Penso
como a agricultura teria crescido muito mais e continuaria a crescer se, nestes
três anos, em vez dos erros apontados, se tivesse feito o que considero
essencial e expressei em numerosos escritos ao longo de muitos anos. Lembro que
a enorme importação de produtos agrícolas alimentares, que muito pesa na nossa
economia, bem poderia, nestes três anos, ter sofrido uma redução significativa.
Se a reactivação e reorganização de alguns serviços essenciais tivesse sido
feita – mesmo só com a “prata da casa” – logo a partir do verão de 2011, a
subida do PAB teria sido maior. Muitos desses produtos importados são de
culturas anuais pelo que as melhorias conseguidas poderiam ter tido grande
valor neste período de três anos, melhorando muito a nossa balança comercial.
Não seria necessário esperar 30 anos, como no caso de um pinhal, para ter muito
bons resultados.
É
perfeitamente natural que o país importe bananas ou mangas. Mas é uma prova de
incapacidade, do Ministério da Agricultura e, em parte, dos agricultores, ver
os nossos supermercados a abarrotar de produtos estrangeiros como batatas,
cebolas, alhos (vindos da China!) feijão verde, rabanetes (vindos da Holanda!),
cenouras, tomates,
pimentos, melões, melancias, etc. Deviam pensar no que isso pesa de forma
negativa na economia portuguesa.
Em
tempos antigos, costumava dizer que o agricultor é o único empresário que
fabrica um produto em que corre sérios riscos (não controla o clima, e chuva,
temperatura e luz são factores da maior importância), coloca esse produto no
seu balcão e pergunta “quanto é que me dão?” Por vezes ainda se queixava de que
“não aparece cá ninguém para me comprar os produtos”. Hoje, com os
supermercados, o problema é diferente, mas o agricultor continua a ser o grande
explorado.
A
solução parece ser o estabelecimento de boas cooperativas, dado que apenas os
grandes proprietários – e nem sempre – conseguem ter quantidade de produto
suficiente para se impor no mercado. Temos algumas a funcionar razoavelmente,
principalmente para a fruta e para o vinho, mas é necessário generalizar o
sistema. A maior tentativa nesse sentido foi o Cachão, o Complexo
Agroindustrial do Nordeste Transmontano. Foi criado pelo Eng.º agrónomo Camilo
Mendonça em 1964 e atingiu muito boa dimensão, transformando e vendendo os
produtos da região, e empregando mais de mil pessoas.
No
início, talvez em 1963, o Camilo Mendonça, no antigo Café Bugio, no largo em
frente à igreja matriz de Oeiras, falou-me dos preços miseráveis por que eram
pagos aos agricultores os produtos da região, as batatas e as cerejas, o gado e
as nozes, etc. produtos que eram depois vendidos por muito mais alto preço. E
ele considerava que era necessário inverter tão má situação e passar para as
mãos dos agricultores, em associação, o justo valor. Por desentendimentos com
Salazar tinha-se afastado da política – a sua actividade até então – e ia
dedicar-se a essa obra, na província onde nascera e onde tinha casa,
Trás-os-Montes.
Visitei
duas vezes o Cachão, sempre guiado por ele. Na primeira visita, mostrou-me onde
seria a leitaria, o lagar de azeite, o tratamento das frutas, etc.,
algumas já no começo das construções. Na
segunda visita já várias estavam em funcionamento e nos mercados apareciam produtos
do “Nordeste”, como o azeite e outros. Não que não tivesse sofrido ataques e
até sabotagens daqueles a quem estava a estragar tão bom negócio. E nem sempre
teve o apoio dos associados, talvez por não terem a noção de que era aquela a única
forma de saírem da mediocridade em que viviam.
Com
o 25 de Abril veio o colapso e o Camilo Mendonça, um terrível “fascista”... foi
para o Brasil, donde só voltou mais tarde, muito doente, às portas da morte,
que não tardou.
Hoje
o Cachão é uma pequenina amostra do que foi e do que podia ser. Se os
agricultores e a equipa governamental da Agricultura não quiserem aprender a
lição, a economia de Portugal é que vai sofrer. Desnecessariamente.