16/12/2013

PAPAI NOEL DESBANCA JESUS?

Tereza Halliday


No século III D.C.. a diretoria da recém-organizada Igreja dos cristãos implementou inteligente estratégia de marketing: pegou carona no festival pagão Natalis Solis Invictus (o nascimento do sol invencível) e convencionou que o aniversário de Jesus Cristo seria na mesma época, visando cativar novos adeptos ao cristianismo.  Até hoje, não se sabe exatamente a data em que “Deus se fez homem e habitou entre nós”, conforme a teologia cristã. Mas, a data escolhida pegou bem e é impressionante exemplo de globalização: em quase  todos os países, celebra-se a  25 de dezembro, o nascimento de Jesus, judeu nazareno que  tornou-se a maior celebridade de todos os tempos, mas cuja mensagem de amor e misericórdia custa a ser compreendida e adotada, mesmo por cristãos.

 A Igreja não esperava que, séculos depois, o sincretismo permeasse essa  festa sagrada dos cristãos, e incluísse a figura do Papai Noel (ou Pai Natal), baseada numa lenda cristã. Em 1886, o cartunista norte-americano Thomas Nast criou o personagem Santa Claus (nome de Papai Noel nos Estados Unidos), para a edição de Natal da revista Harper´s. Inspirou-se na lenda de Nicolau, bispo de Myra, Turquia (270-343),  que tinha o hábito bem cristão de ajudar pessoas carentes, presenteando-as em segredo. Mais tarde, seria conhecido como São Nicolau, padroeiro da Rússia, celebrado a 6 de janeiro.  Em 1931, a Coca-Cola inaugurou campanha de vendas usando o Papai Noel desenhado por Nast no século anterior.

Com o passar dos anos, ganhou fama esse velhinho obeso e bonachão, com cara afogueada e fala de quem tomou um pileque (“rô, rô, rô”): ora como garoto propaganda no festival de vendas dezembrino, ora como peça de decoração da festa do aniversário de Jesus, ora como amigo milagreiro que  traz presentes desejados pelas crianças, ensinadas a acreditar nele, para depois desacreditar, como prova de maturidade. A cada ano, parece mais popular que o herói da manjedoura, também usado para promover a venda de presentes -  reforçada pela tradição dos Reis Magos que presentearam o bebê Jesus com ouro, incenso e mirra. Mais um elemento folclórico simpático, não fosse a compulsão de consumo que o desvirtuou.

            O jornalista Walcyr Carrasco, da revista Época, escreveu: “Abaixo Papai Noel! Não entendo como insistir numa história, para depois contar que era mentira. Sonhar é bom, sempre, mas este é um sonho cruel”. Rubem Alves, teólogo, psicanalista e escritor, contestaria: “Que seria de nós sem o consolo das coisas que não existem?”.

            Papai Noel não desbanca Jesus quando os verdadeiros cristãos dão prioridade ao real significado desse famoso aniversário, segundo sua fé: a presença de Deus em forma humana. Aí então, podem participar, sem culpa, das manifestações folclóricas que circundam o Natal de Jesus: árvore enfeitada, luzes coloridas, ceia, troca de presentes... e até mesmo Papai Noel. Sabendo distinguir e honrar o essencial, os adendos não fazem mal.
 (Diário de Pernambuco, 16/12/2013)