Tereza Halliday |
No século III D.C.. a diretoria da
recém-organizada Igreja dos cristãos implementou inteligente estratégia de
marketing: pegou carona no festival pagão Natalis Solis Invictus (o nascimento
do sol invencível) e convencionou que o aniversário de Jesus Cristo seria na
mesma época, visando cativar novos adeptos ao cristianismo. Até hoje, não se
sabe exatamente a data em que “Deus se fez homem e habitou entre nós”, conforme
a teologia cristã. Mas, a data escolhida pegou bem e é impressionante exemplo de
globalização: em quase todos os países, celebra-se a 25 de dezembro, o
nascimento de Jesus, judeu nazareno que tornou-se a maior celebridade de todos
os tempos, mas cuja mensagem de amor e misericórdia custa a ser compreendida e
adotada, mesmo por cristãos.
A Igreja não esperava que, séculos
depois, o sincretismo permeasse essa festa sagrada dos cristãos, e incluísse a
figura do Papai Noel (ou Pai Natal), baseada numa lenda cristã. Em 1886, o
cartunista norte-americano Thomas Nast criou o personagem Santa Claus (nome de
Papai Noel nos Estados Unidos), para a edição de Natal da revista Harper´s.
Inspirou-se na lenda de Nicolau, bispo de Myra, Turquia (270-343), que tinha o
hábito bem cristão de ajudar pessoas carentes, presenteando-as em segredo. Mais
tarde, seria conhecido como São Nicolau, padroeiro da Rússia, celebrado a 6 de
janeiro. Em 1931, a Coca-Cola inaugurou campanha de vendas usando o Papai Noel
desenhado por Nast no século anterior.
Com o passar dos anos, ganhou fama esse
velhinho obeso e bonachão, com cara afogueada e fala de quem tomou um pileque
(“rô, rô, rô”): ora como garoto propaganda no festival de vendas dezembrino, ora
como peça de decoração da festa do aniversário de Jesus, ora como amigo
milagreiro que traz presentes desejados pelas crianças, ensinadas a acreditar
nele, para depois desacreditar, como prova de maturidade. A cada ano, parece
mais popular que o herói da manjedoura, também usado para promover a venda de
presentes - reforçada pela tradição dos Reis Magos que presentearam o bebê
Jesus com ouro, incenso e mirra. Mais um elemento folclórico simpático, não
fosse a compulsão de consumo que o desvirtuou.
O
jornalista Walcyr Carrasco, da revista Época, escreveu: “Abaixo Papai Noel! Não
entendo como insistir numa história, para depois contar que era mentira. Sonhar
é bom, sempre, mas este é um sonho cruel”. Rubem Alves, teólogo, psicanalista e
escritor, contestaria: “Que seria de nós sem o consolo das coisas que não
existem?”.
Papai
Noel não desbanca Jesus quando os verdadeiros cristãos dão prioridade ao real
significado desse famoso aniversário, segundo sua fé: a presença de Deus em
forma humana. Aí então, podem participar, sem culpa, das manifestações
folclóricas que circundam o Natal de Jesus: árvore enfeitada, luzes coloridas,
ceia, troca de presentes... e até mesmo Papai Noel. Sabendo distinguir e honrar
o essencial, os adendos não fazem mal.
(Diário de Pernambuco,
16/12/2013)