|
Mário de Oliveira |
“Neste tipo
de mundo, tereis aflições. Mas coragem, Eu Sou a alternativa a este tipo de
mundo” (cf João 16,33). Oportunas e ousadas palavras, estas de Jesus. Por isso,
depois de dois mil anos de cristianismo, que o mesmo é dizer, dois mil anos de propositado
silenciamento, propositada negação de Jesus, o de Nazaré e da sua via política
maiêutica, o tipo de mundo que dele resulta e está aí, só pode ser um mundo em
vias de extinção. Não é uma má notícia que lhes dou. É uma boa notícia, ainda
que possa trazer junto com ela, muitas dores, muita destruição, porventura, um
planetário dilúvio nuclear, ou mesmo de água. Cada vez mais inevitável, depois
de tanto crime institucionalizado e de tanto pensamento filosófico, teológico,
económico e artístico, nascido de todas as práticas intrinsecamente demenciais,
perversas, exploradoras, genocidas e ecocidas, típicas do cristianismo. As
dores e a destruição não são parte da boa notícia. Apenas o resultado das
práticas cristãs, mentirosamente apresentadas como boas e santas, quando são
práticas intrinsecamente perversas, mascaradas de boas e santas. Boas e santas,
só mesmo as práticas de Jesus de Nazaré, que nunca foi cristão nem nunca
tolerou que o convertessem, como faz o cristianismo, no mítico messias/cristo
davídico, a traição das traições.
Não esperemos
que as igrejas cristãs, alguma vez, no-lo digam e nos alertem para esta real
situação histórica, à beira de implodir. Elas são parte do problema, não da
solução. São o problema, não a solução. Porque as igrejas cristãs, onde
estiverem, são Poder religioso, político e económico-financeiro imperial que
domina a alma/consciência das populações e dos povos. São elas, as mães e os
pais deste tipo de mundo que, hoje, por sinal, está aí a desembaraçar-se aceleradamente
delas. Infelizmente, não para nos valorizar, populações e povos do mundo, como sujeitos
e protagonistas dos nossos próprios destinos e do destino do planeta, mas para
nos oprimir e explorar ainda mais, graças aos sofisticadíssimos meios de que dispõe.
Não é o cristianismo, enquanto tal, que desaparece. É apenas um tipo de
cristianismo religioso, deísta, já com dois mil anos, que desaparece,
substituído por outro, totalmente secular, laico, ateu. O facto de ser secular,
laico, ateu, não é que aflige. Pelo contrário. O que aflige, e faz este tipo de
mundo estar à beira de rebentar pelas costuras, é o facto de se tratar de um
secular, laico, ateu idólatra. Pela primeira vez na história, o ateísmo é
idólatra. Nega Deus que nunca ninguém viu, e, precisamente porque nunca ninguém
O viu, mas para, em seu lugar, adorar o Dinheiro. Obviamente, não lhe chama
Deus, mas toda a sua postura perante o Dinheiro é a da idolatria, a mais
perversa de todas as idolatrias que já houve à face da terra.
Tenho dito e
não me cansarei de o repetir, até que me escutem: Temos de regressar a Jesus, o
de antes do cristianismo, e à sua via política maiêutica. Ou somos capazes
deste salto qualitativo em frente (Jesus é o alfa e ómega da humanidade e da
criação), e começamos a dar corpo a um tipo de mundo, finalmente, edificado a
partir das populações e dos povos, e com as populações e os povos, e temos hoje
e amanhã, em que todos os seres humanos, indistintamente, são sujeitos e
protagonistas, ou perdemos o hoje e o amanhã humano, sororal. O que restar, é um
hoje e um amanhã de terror, de inferno. E, então, melhor será nem sequer chegarmos
a nascer.
Mentem-nos
todos os dias, quando numa obscena unanimidade planetária, nos dizem que
estamos mergulhados numa crise global. Oxalá fosse uma crise, e global. Haveria
motivos para a esperança teológica, entenda-se, plena e integralmente fundada
nos seres humanos. A verdade é que estamos mergulhados na mais devastadora
guerra mundial financeira e, dificilmente, nos veremos livres dela. O nosso demencial
amor ao Dinheiro é tão forte, que dificilmente, nos escutamos, vemos a nós
próprias, nós próprios, e escutamos, vemos todos os demais – as populações, os
povos do mundo e o planeta.
Só o ateísmo
que o seja também do Deus Dinheiro, nos resgatará das garras deste tipo de
mundo, e nasceremos, finalmente, humanos, sororais, maiêuticos, uns para os
outros, uns com os outros. Só assim será verdadeiro ateísmo que nega todos os
deuses que se alimentam de gente e que, ao tornar-nos relacionais uns com os
outros e, maieuticamente religados uns aos outros, mais não é do que uma outra
maneira de praticar a Fé teológica, a de Jesus. No mesmo acto de nos tornar relacionais
e maieuticamente religados, torna-nos também permanentemente abertos ao
Mistério maior que é Deus Abba-Mãe que nunca ninguém viu, porque mais íntimo a
nós que nós próprios, e que, ao fazer-nos crescer de dentro para fora, se revela
e nos revela. É por aqui que anda o ser humano pleno e integral, Jesus de Nazaré,
não, obviamente, o Jesuscristo do cristianismo. E é também por aqui que havemos
de andar nós, mulheres, homens, povos do terceiro milénio. Cabe-nos a
responsabilidade histórica de sermos, em comunhão com Jesus, a alternativa viva
a este tipo de mundo. Sermos, nos nossos próprios corpos, o mundo, finalmente, humano,
sororal. Por outras palavras, sermos Jesus, à escala planetária, cósmica. Sem
dúvida o Poema mais belo, a obra de arte mais bela. Está nas nossas mãos.
Decidamo-nos. Ontem, já era tarde.