30/12/2014

PASSAGEM DE ANO




Tereza Halliday
“As datas são meras invenções dos homens”, dizia minha avó. Não fazia questão de romper ano dormindo ou acordada. Havia aprendido a medida das coisas e atingido o contentamento.  Eu a levava a sério, certa de sua sabedoria. E esta afirmação, óbvia mas profunda,  teve o peso formativo de suas outras sentenças memoráveis: “Nossa maior fraqueza é que somos incrédulos. Só damos valor ao que possuímos quando o perdemos”;“Imoral não é usar biquíni. Imoral é enganar os outros para levar vantagem”.

 Para ela, dias festivos e datas históricas eram convenções às quais não devíamos nos escravizar. Não era antissocial nem indiferente a celebrações, tanto que sempre lembrava dos aniversários de parentes e amigos, marcando-os com visita e presentes. Mas não era do seu feitio gastar com roupa nova, endividar-se,  somente porque haveria a festa chamada Revéillon (em francês: refeição no meio da noite de Natal e no Dia de Ano; do verbo “réveiller” – acordar). Seu exemplo fazia acordar para o bom senso. Se, no guarda-roupa havia vestidos lindos e em bom estado, qual o mal de repetir um deles para a Noite de Ano?

 Ela deplorava a tristeza de muitos, por não ter dinheiro para o sapato novo e a roupa nova, não podendo assim curvar-se às convenções das festas de fim de ano. Como se a essência da celebração estivesse nos gastos e na exibição. Também se compadecia dos que sofriam por não ter muita gente ao seu redor na noite de 31 de dezembro. Expectativas impostas pelos outros.  O fim do ano e o começo do outro deve ter a marca de uma alegria interior, que dispensa agitação e multidão, embora a presença das pessoas queridas seja coisa boa.  A celebração da mudança de ano não precisa conter amargor de desejos não realizados ou cenários irreais. Basta marcá-la, sem alarde, por  gratidão e esperança.