15/11/2014

Mais um que “fugiu”




Miguel Mota 
O próximo Presidente do Conselho Europeu será Donald Tusk, o actual primeiro-ministro da Polónia. Do artigo “O homem da esperança”, no “Público” de 1 de Setembro de 2014, da autoria do Embaixador da Polónia em Lisboa, Bronislaw Misztal, transcrevo:
“Portanto é com muita esperança, além de óbvio orgulho e humildade necessária que nós, os polacos, damos as boas vindas à nomeação do presidente da Europa. Donald Tusk, o primeiro-ministro da Polónia, é a escolha da esperança, confiança e valores comuns.”
Também não tenho dúvidas de que os dinamarqueses sentiram o mesmo “óbvio orgulho” quando o primeiro-ministro da  Dinamarca, Anders Rassmunsen, deixou esse cargo para assumir o de Secretário-Geral da NATO, outro importante cargo internacional.
E em Portugal? Quando o primeiro-ministro Durão Barroso deixou esse cargo para ir exercer o de Presidente da Comissão Europeia, o chefe do executivo da União Europeia, outro cargo de muito grande importância internacional, o que é que se ouviu? Que ele “fugiu”, que não devia abandonar o cargo, que devia ficar para cumprir o seu mandato, etc. O “óbvio orgulho”? Os grupos que clamavam contra essa fuga não sabem o que isso é. E nós sabemos bem quem são, pois se mostram em bem orquestradas manifs.
E os que sabem, pois acredito que ainda existem? Com raras excepções, são a tal “maioria silenciosa”, que se deixa espezinhar e consente em chamar democracia a esta feroz ditadura partidocrática, responsável por delapidar Portugal, que continua a vender o país, principalmente a estrangeiros, continua a tirar aos pobres e remediados para dar aos ricos e clama que o país está melhor que em 1974, como se Portugal, no dia 25 de Abril desse ano, tivesse parado no tempo.
O primeiro-ministro português que “fugiu” foi António Guterres, a meio do seu segundo mandato. Do seu discurso em que anunciou a demissão, transcrevo:
 “Se olhasse para estas eleições e passasse por elas como porventura seria integralmente o meu direito, continuando a exercer as funções de primeiro-ministro, o país cairia inevitavelmente num pântano político e minaria as relações de confiança entre governantes e governados, que são indispensáveis para que Portugal possa vencer o desafio que tem pela frente.
Nessas condições, entendo que é meu dever, perante Portugal e perante os portugueses, evitar esse pântano político. E por isso mesmo, pedirei ao Senhor Presidente da República que me receba, para lhe apresentar o meu pedido de demissão das funções de primeiro-ministro, querendo com isto contribuir para a criação duma situação que permita o pleno restabelecimento da confiança entre governantes e governados.”
Se o Eng.º Guterres foi eleito para um segundo mandato, foi graças às realizações já em meio, que recebeu do governo anterior e que lhe permitiram fazer um brilharete, com os exemplos típicos da Ponte Vasco da Gama e a Expo 98.
Quanto a esta última realização, não me canso de lembrar o que considero uma falha clamorosa, bem reveladora da ausência do “óbvio orgulho” nacional e que bastante prejudica a projecção de Portugal no mundo. O tema da Expo era “Os Oceanos” e a organização ignorou completamente o que considero o feito maior dos portugueses no século XX, a I Travessia Aérea do Atlântico Sul, por Sacadura Cabral e Gago Coutinho. Essa falha clamorosa fez o país perder uma oportunidade magnífica, como talvez não volte a haver, de mostrar ao mundo – visitaram a Expo muitos milhares de estrangeiros – esse feito notável dos portugueses.
Na minha modesta opinião, a Travessia devia ter um pavilhão a ela dedicado, com painéis a descrever o que foi essa epopeia, filmes – alguns da época – sobre esse feito, o hidroavião Santa Cruz ou uma réplica construída para o efeito, edição de livros antigos  e de outros escritos para a ocasião, e uma série de palestras por pessoas qualificadas. Como nada se fez, o mundo continua a conhecer bem o nome de Charles Lindbergh – cuja Travessia, cinco anos depois, é um feito importante, mas muito menos importante que o dos nossos navegadores – e quase ninguém sabe quem eram Arthur de Sacadura Cabral e Carlos Viegas Gago Coutinho.

Voltando ao governo Guterres, convém notar que, no governo que o antecedeu, a economia portuguesa tinha crescido sempre acima da média europeia. A partir de 1995, começou a crescer menos do que a média europeia, sempre cada vez menos. Quando o PS voltou ao governo, em 2005, entrámos em recessão. Tudo consequência de políticas erradíssimas. E por muito que o governo actual apregoe melhorias – ao mesmo tempo que continua a cortar ordenados e pensões e a aumentar o número de milionários – as perspectivas de futuro, para a grande maioria dos portugueses, são muito negras.