06/11/2014

A falta de credibilidade da vida pública



A nossa democracia não é fruto da improvisação, mas sim da vontade expressa pelo povo português de constituir Portugal num Estado social e democrático de direito inspirado nos princípios de liberdade, igualdade, justiça e pluralismo, em que todos os cidadãos e instituições estão submetidos, por igual, perante a lei.
Contudo a discórdia, a divisão, os casos de corrupção, a falta de respeito e observação destas normas têm debilitado a nossa democracia. Não há a garantia necessária de que todos os portugueses sejam iguais perante a lei, possam exercer os seus direitos e para que a nossa vida colectiva funcione normalmente e ordeiramente e que se sinta que há ordem, respeito e civismo.
Os portugueses estão muito preocupados com o estado da democracia e reagem de diferentes formas. Uns já deitaram a toalha ao chão, a grande maioria não quer saber - não vota, a abstenção grassa. Outros formam novos partidos e muita gente apoia, outros protestam nas ruas, outros votam no anti-sistema, etc..
A sociedade precisa de normas morais, admirar e respeitar quem o merece. É preciso elogiar o enorme sacrifício e esforço dos portugueses para superarem esta crise económica. O exemplo de muitos cidadãos que demonstram admirável capacidade de esforço e sacrifício neste tempo de desencanto, pessimismo e desconfiança. Muitos portugueses têm enfrentado com coragem, a adversidade, e demonstrado uma capacidade de sacrifício fora do comum. São milhares de portugueses que todos os dias lutam para seguir em frente, com honestidade, com tenacidade, com valentia e com humildade. Estas pessoas é que fazem de Portugal uma nação que vale a pena viver e que vale a pena lutar.
Há uma grande vontade de querer acreditar nas instituições, mas a frustração dos portugueses é enorme pelos péssimos exemplos da vida pública. Não sabem como mudar este saque público a que estivemos e estamos sujeitos ao longo dos anos.
Serão os partidos capazes de se regenerarem a si mesmos, antes que possam ser varridos do mapa eleitoral? Não sei, veja-se as últimas sondagens em Espanha com o Podemos, que consegue ficar à frente dos partidos institucionais (PP e PSOE). O que vejo é uma aparente preocupação com a abstenção em plenas eleições, mas deixando passar a onda esquecem. Outras vezes ficam-se pela cosmética das aparências e lavam somente a cara não chegando ao fundo da questão. Por exemplo, haver eleições primárias para primeiro-ministro num partido aberto a simpatizantes, mas não permitem que um simpatizante possa concorrer. Por outro lado, não abrem as eleições primárias a simpatizantes para a escolha dos candidatos a presidente de Câmara.
Os partidos sabem que têm que fazer algo, mas estão sempre em compasso de espera para ver no que dá e procuram ganhar tempo para mudar o menos possível. Andam sempre a reboque, nunca por sua iniciativa. É imprescindível não pactuar com a corrupção dentro dos partidos e fora deles, modificar as normas do seu financiamento tornando-as claras, transparentes e sérias.
Todavia o rei vai nu, por falta de vontade, por impotência, falta de qualidade intelectual dos seus dirigentes e puro clientelismo. Os que regem as instituições cobrem-se uns aos outros, incumprem leis, burlam os controlos e enganam-nos. Qualquer tentativa de regeneração tropeça, logo à partida, na falta de credibilidade que é o seu obstáculo maior.
As pessoas dos partidos que deixaram chegar o sistema a este estado não podem ser elas a regenerar e melhorar o sistema político. A sua credibilidade está perdida. Os principais partidos pouco a pouco tomaram conta de tudo que é poder, procurando estender o seu poder ao controlo dos órgãos encarregados de fiscalizar e julgar. O sistema político precisa de válvulas de segurança, de mecanismos de controlo e auto-regulação. A legitimidade do voto tem um papel fundamental em democracia mas não lhe dá o direito de influenciar e interferir noutras áreas.
A nossa democracia ao longo das últimas décadas foi frequentada por um bando de saqueadores (nem todos) que funcionou como uma bomba ao retardador que nos estalou na nossa frente.
É necessário um controlo efectivo, dar explicações e erradicar a impunidade. É fundamental prestar contas à sociedade. A arbitrariedade, a corrupção e negócios escuros têm que ser banidos.
Os partidos têm que ceder parte do seu poder à sociedade, abrir as suas portas e janelas para quem quer entrar e perceber de forma detalhada e perceptível o que é feito.
Se não o fizerem o preço a pagar será altíssimo, o barco da democracia pode encalhar e destruir-se nas rochas.
Os partidos fazem-me lembrar um velho anúncio na escolha da cor de um automóvel, em que se pode escolher todas as cores desde que seja preto. Isto é, os partidos deixam decidir desde que vá de encontro às suas pretensões e que esteja já previamente decidido.
George Orwel dizia: “ver o que se tem na nossa frente exige uma luta contínua”. As coisas como estão vão levar ao desastre e ao bloqueio da vida pública por este sistema político caduco.
A hora é da regeneração da democracia e a despolitização das instituições públicas a começar pela Justiça. O sistema político tem que saber regenerar-se para evitar o descrédito total e que fique nas mãos dos anti-sistema ou do populismo.
JJ
*artigo de opinião publicado no PT Jornal